Crônica do Viver Baiano Seiscentista
Pessoas Beneméritas
Gregório de Matos
A EL REY D. PEDRO II COM UM ASTROLABIO DE TOMAR O SOL,QUE MANDOU O Pe. VALENTIM STANCEL DEDICADO AO RENASCIDO MONARCA.
A MORTE DA AUGUSTA SENHORA RAINHA D. MARIA, FRANCISCA, IZABEL DE SABOYA, QUE FALLECEO EM 1683.
A SERENISSIMA INFANTA DE PORTUGAL D. IZABEL, LUIZA, JOSEPHA NASCENDO EM DIA DE REYS.
NA MORTE DA MESMA SENHORA RATIFICA O POETA AS VENTURAS, QUE PROMETTE O SONETO ANTECEDENTE.
CONTINUA A MESMA RATIFICAÇÃO NA ESTRELLA DOS MAGOS POR HAVER NASCIDO ESTA SENHORA EM DIA DE REYS.
SENTIMENTOS D'EL REY D. PEDRO II À MORTE DESTA SERENISSIMA SENHORA SUA FILHA PRIMOGENITA.
AO CONDE DE ERICEYRA D. LUIZ DE MENEZES PEDINDO LOUVORES AO POETA NÃO LHE ACHANDO ELLE PRESTIMO ALGUM.
CENSURA QUE FAZ O POETA DESTE TAL CONDE NA SUA DESASTRADA MORTE, LANÇANDO-SE DA JANELLA DO SEU JARDIM, ONDE ACABOU MISERAVELMENTE POR ALTOS JUIZOS DE DEOS.
AO MESMO ASSUMPTO E PELO MESMO CASO.
A MORTE DO ILLUSTRISSIMO MARQUEZ DE MARIALVA. GENERAL DAS ARMAS DE PORTUGAL SOBRE AS PALAVRAS DA ESCRIPTURA "PLANDITE ANTE EXEQUIAS ABNER; FIPSE FLEVIT DAVID SUPER MULUM ABNER."
EPITAFIO AO CORAÇÃO DESTE MESMO GENERAL ENTERRADO AOS PÉS D'EL REY D. JOÃO IV.
AO MESMO ASSUMPTO E PELOS MESMOS CONSOANTES
AO MESMO MARQUEZ SENDO ENTERRADO EM
TREZ PARTES. O CORPO EM CATANHÉDE; O CORAÇÃO EM S.
VICENTE DE FORA; E OS INTESTINOS EM SAM JOSÉ DE RIBA MAR
A MORTE DO GOVERNADOR MATHIAS DA CUNHA.
DISCRIÇÃO, ENTRADA, E PROCEDIMENTO DO BRAÇO DE PRATA ANTONIO DE SOUZA DE MENEZES GOVERNADOR DESTE ESTADO.
SUBTILEZA COM QUE O POETA SATYRIZA À ESTE GOVERNADOR.
A PRIZÃO QUE FEZ ESTE GOVERNADOR À SEU CREADO O BRAÇO FORTE.
A DESPEDIDA DO MAO GOVERNO QUE FEZ ESTE GOVERNADOR.
SUCCEDE A ESTE GOVERNADOR O MARQUEZ DAS MINAS COM SEU FILHO O CONDE DO PRADO, DESFAZENDO TODAS AS SUAS OBRAS, E MANDANDO VIR OS PRINCIPAES DA BAHIA DO DESTERRO, EM QUE ANDAVÃO, PELA MORTE, QUE OUTROS DERAM AO ALCAYDE MÔR FRANCISCO TELLES.
A SEU FILHO O CONDE DO PRADO, DE QUEM ERA O POETA BEM VISTO, ESTANDO RETIRADO NA PRAYA GRANDE, LHE DÁ CONTA DOS MOTIVOS, QUE TEVE PARA SE RETIRAR DA CIDADE, E AS GLORIAS, QUE PARTICIPA NO RETIRO.
AO CONDE DO PRADO EMBARCANDO-SE PARA PORTUGAL EM COMPANHIA DE SEU PAY, DEPOlS DE TER ACABADO O TEMPO DE SEU GOVERNO LHE FAZ O POETA ESTAS SAUDOSAS DESPEDIDAS.
A MORTE DESTE CONDE SUCCEDIDA NO MAR QUANDO SE RETIRAVA PARA LISBOA.
AO GOVERNADOR ANTONIO LUIZ GLZ. DA CAMARA
COUTINHO EM DIA DE REYS OBSEQUEA O POETA PEDINDOLHE EM NOME DE HUM AMIGO
HUMA DAQUELLAS ESMOLLAS, QUE SUA MAGESTADE CONSIGNA DO REAL THESOURO CADA
HUM ANNO PARA OS HOMENS DE BEM, A QUE CHAMÃO MERCÉ ORDINARIA.
EMPENHA O POETA PARA CONSEGUIR ESTA
MERCÉ AO CAPITÃO DA GUARDA LUIZ FERREYRA DE NORONHA SEU PARTICULAR
CRIADO.
A PEDITORIO DOS PRETOS DE NOSSA SENHORA DO ROSARIO FEZ O POETA O SEGUINTE MEMORIAL PARA O MESMO GOVERNADOR, IMPETRANDO LICENÇA PARA SAIREM MASCARADOS À HUMA OSTENTAÇÃO MILITAR, A QUE CHAMAVÃO ALARDE.
OUTRO MEMORIAL POR HUM SEU SOBRINHO, QUE DESEJAVA SENTAR PRAÇA DE SOLDADO.
AO MESMO GOVERNADOR SUBTILMENTE REMOQUEIA O POETA AO DESCUIDAR-SE DE SUA HONRADASUPPLICA SOBRE A MERCÉ ORDINÁRIA, LEMBRANDOLHE, QUE Á DERA A HUM SOLDADO RIDICULOCHAMADO O FARIA, POR QUEM NAQUELLE TEMPO CANTAVÃO OS CHULOS "A MULHER DO FARIA VAY PARA ANGOLLA".
TORNA O POETA A INVOCAR LUIZ FERREYRA DE NORONHA.
ATHE AQUI NÃO ERA AINDA VINDA A MERCÉ ORDINÁRIA.E NO DIA, EM QUE O GOVERNADOR FEZ ANNOS LHE MANDOU O SEGUINTE SONETO.
A D. JOÃO DALENCASTRE VINDO DO GOVERNO DE ANGOLLA, ASSISTINDO NO MESMO PALACIO, QUEIXANDO-SE, DE QUE O POETA O NÃO VISITASSE, E PEDINDOLHE HUMA SATYRA POR OBSEQUIO.
A JOÃO PLZ. DA CAMARA COUTINHO FILHO DO MESMO GOVERNADOR TOMANDO POSSE DE HUMA GINETA EM DIA DE S. JOÃO BAPTISTA, E LHE ASSISTIO DE SARGENTO D. JOÃO DE LANCASTRO SEU THIO VINDO DO GOVERNO DE ANGOLLA.
GENEALOGIA QUE O POETA FAZ DO GOVERNADOR ANTONIO LUIZ DESABAFANDO EM QUEYXAS DO MUYTO, QUE AGUARDAVA NA ESPERANÇA DE SER DELLE FAVORECIDO NA MERCÉ ORDINARIA.
CONTINUA O POETA SATYRIZANDO-O COM O SEO CRIADO LUIZ FERREYRA DE NORONHA.
DIZ MAIS COM O MESMO DESENFADO:
DEDICATORIA ESTRAVAGANTE QUE O POETA PAZ DESTAS OBRAS AO MESMO GOVERNADOR SATYRIZADO.
APOLOGIA CAVILLOSA EM DEFENÇA DO MESMO GOVERNADOR ANTONIO LUIZ.
DESCANTA O POETA AGORA A DESPEDIDA DESTE GOVERNADOR EM METAPHORA DE CHULARIAS, QUE SE UZAVAM NAQUELLE TEMPO. POR DIZER-SE VINHA RENDÊLLO D. JOÃO DE ALENCASTRE SEU CUNHADO.
RETRATO QUE FAZ ESTRAVAGANTEMENTE O POETA, AO MESMO GOVERNADOR ANTONIO LUIZ DA CAMARA NA SUA DESPEDIDA.
A D. JOÃO D'ALENCASTRE TOMANDO POSSE DO SEO GOVERNO OBSEQUEA O POETA COM AS QUEYXAS DO SEU ANTECESSOR, E CUNHADO.
AO MESMO GOVERNADOR CHEGANDOLHE A NOVA DA MORTE DE SUA SOGRA, A QUEM DEYXOU CONVALECIDA DA MESMA ENFERMIDADE, DE QUE MORREO DEPOIS.
LOUVA O SECRETARIO DE ESTADO BERNARDO VIEYRA RAVASCO A HUM SUGEYTO, QUE FOY À COSTA DA MINA E LÁ FEZ HUMA ILLUSTRE ACÇÃO.
RESPONDE O POETA A BERNARDO VIEYRA RAVASCO PELOS MESMOS CONSOANTES POR AQUELLA PESSOA A QUEM SE FEZ O OBSEQUIO.
CONTINUA BERNARDO VIEYRA RAVASCO NO SEU PROPOSITO PELOS MESMOS CONSOANTES.
AO MESMO SECRETARIO DE ESTADO BERNARDO VIEYRA PEDINDO HUMAS OITAVAS AO POETA, EM TEMPO, EM QUE FAZIA ANNOS CONVALESCENDO DE HUMA GRAVE DOENÇA.
Este, Senhor, que fiz leve instrumento
Para pesar o sol a qualquer hora,
Dedico a aquele Sol, a cuja aurora
Já destinam dous mundos rendimento.
Desta minha humildade, e desalento,
Que a sua quarta esfera não ignora,
subindo a oitavo céu, pertende agora
A estrela achar no vosso firmamento.
Eu, que outro sol no seu zenith pondero
Aos do Nascido Soberanos Raios,
Pesando-me eu a mim me desespero.
Mas vós, Águia Real, esses ensaios
Entre os vossos levai, pois considero,
Que nunca em tanta sombra houve desmaios.
Hoje pó, ontem Deidade soberana,
Ontem sol, hoje sombra, ó Senadores,
Lises imperiais enfim são flores,
Quem outra cousa crê, muito se engana.
Nas cinzas, que essa urna guarda ufana,
Vejo, que os aromáticos licores
são de seu mortal ser descobridores,
Porque, o que a arte esconde, o juízo alhana.
A Real Capitânia submergida!
Olhos à gávea, ó tu Naveta ousada,
Que ao mar te engolfas de ambição vencida:
Pois em terra a Real está encalhada,
Alerta, altos Baixéis, porque anda a vida
Da mortal tempestade ameaçada.
Nasces, Infanta bela, e com ventura
Tão desigual a toda a gentileza,
Que vencendo o poder da natureza,
Venturosa fizeste à formosura.
Com tal estrela sobe a tal altura
A formosura posta em tanta alteza,
Que por nasceres pasmo da beleza,
Da pensão de formosa estás segura.
Nasceste Filha enfim da bela Aurora
Com graça singular, ventura clara,
Com estrela nasceste, ó feliz hora!
Nascer bela, e feliz é cousa rara:
Mas em ti Portugal venera agora
Uma estrela na dita, um sol na cara.
Bem disse eu logo, que éreis venturosa
Quando nascestes, com nascer tão bela,
E me lembra dizer já com cautela,
Cousa rara é ser bela, e ser ditosa.
O nascer com estrela, e ser formosa
Raro prodígio é, que mais se anela;
Mas ser na terra flor, nos céus estrela,
Só em vós foi ventura prodigiosa.
Fostes, e sois estrela enfim do Norte,
Do céu girando o Norte mui segura,
Girando sempre a tão felice corte.
Hoje lograis mais bela formosura,
Possuindo na glória dita, e sorte,
Que em ser do Céu consiste o ter ventura.
Nascestes bela, e fostes entendida
Uniu-se em vós saber, e formosura:
Não se pode lograr tanta ventura,
Em quem com tal estrela foi nascida.
Quem viu co'a formosura a sorte unida,
Que julgasse essa vida por segura?
Muito esperou por vós a sepultura,
Que, em quem é tão feliz, não dura a vida.
Quem dissera no vosso nascimento,
Que em tal estrela haviam tais enganos,
Para ser maior hoje o sentimento!
Porém nestes prodígios soberanos,
Tendo dos Magos vós o entendimento,
Não podiam ser muitos vossos anos.
Se a dar-te vida a minha dor bastara,
Filha Isabel, de minha dor morrera,
E porque minha dor tudo excedera,
Gêneros novos de sentir buscara.
Se uma vida se dera, ou se emprestara,
A metade da minha te ofrecera,
Ou toda, porque inveja não tivera
Outra a metade, que órfã me ficara.
E se a minha alma enfim tua agonia
Substituir pudera com a sua,
Tua vida animando a cinza fria:
Inda que a arrojo o mundo o atribua,
Não só a vida, a alma te daria
Por melhorá-la com fazê-la tua.
Que do corpo as prisões desemparaste,
E qual cândida flor, ou fresca rosa
De teus anos a flor em flor cortaste:
De minha dor a mágoa saudosa,
Que por herança d’alma me deixaste,
Deves crer, que até agora não durara,
Se a dar-te vida a minha dor bastara.
Não durara até agora a minha mágoa,
Se fora ela bastante a dar-te vida,
Porque, vivendo tu, dos olhos a água
Se enxugara em dous rostos reprimida:
E sendo o peito humano a própria frágua,
Onde a dor em licores derretida
Corre a desafogar: se não correra,
Filha Isabel, de minha dor morrera.
Morrera, Filha minha, e acabara
De um doce mal, formosa enfermidade:
Todo o poder do mundo me invejara,
Pois falta a seu poder esta verdade:
Com minha morte a vida se trocara,
Da maior, e mais alta majestade
Enjeitara tudo, porque nada era,
E porque a minha dor tudo excedera.
Ficara tão ufano de seguir-te,
Vivo por te chorar, morto por ver-te,
Que se pudera crer, que por senir-te
A ocasião estimara de perder-te:
E se nesta estranheza de sentir-te
Não chegara um aplauso a merecer-te,
De uma a outra estranheza me passara,
Gêneros novos de sentir buscara.
Sangue ondeara a margem deste rio,
A rosa adoecera em suas cores,
Da Aurora carmesirn fora o rocio,
Não recendera o ambar entre as flores:
Fora da natureza um desvario
A ordem natural de seus primores:
Mas nada a minha dor necessitara,
Se uma vida se dera, ou se emprestara.
Se pudera emprestar-te a minha vida,
Se escusara então meu sentimento:
Mas ai! que nem o dá-la por perdida
Remédio pode ser do meu tormento:
E já, que não é cousa permitida
Celebrar um contrato tão violento,
E dar a vida enfim se não tolera,
A metade da minha te ofrecera.
E pois a natureza é tão escassa,
Que na esfera da sua potestade
Não cabe por indulto, nem por graça
Uma vida partir pela metade:
E inda que o vença amor, indústria, ou traça,
Me resta outra maior dificuldade,
De que se hão de invejar, metade dera,
Ou toda, porque inveja não tivera.
Se a metade da vida, que te ofreço,
Inveja há de causar, à com que fico,
E sobre dar-lhe inveja à que despeço,
Que saudades Ihe dê me certifico:
Para livrar-me de um, e outro tropeço,
Com que nesta partida me complico,
Sobre a tua metade te largara
A outra metade, que órfã me ficara.
Dera-te enfim a minha vida toda,
Que o mais fora desdouro da firmeza,
Que sempre, quem bem ama, se acomoda
Fazer a vida altar de uma fineza:
Dar tudo nunca a amor desacomoda,
Dera-te a vida, e alma nesta empresa,
Se a minha vida a morte te alivia,
E se a minha alma enfim tua agonia.
Ásia filha maior do mar profundo,
A África do mar soberania,
Europa exemplar luz de todo o mundo
E a América do ouro monarquia,
veriam, com quão ledo, e quão jucundo
Rosto por ti minha alma despedia,
Se o calor da minha alma à vida tua
Substituir pudera com a sua.
O Rouxinol, que canta docemente
À vista da consorte, que o namora,
A Rola triste, que ao esposo ausente
De dia busca, se de noite o chora:
No ar sutil, na fonte transparente,
Vendo o fino de uma alma, que te adora,
Pasmariam de ver, como supria
Tua vida, animando a cinza fria.
A inveja, que do ódio se alimenta,
A detração, que como espada corta,
A calúnia, que a todos ensangüenta,
E a aversão, que os áspides aborta:
Todos a iníquia mão, língua cruenta
Mostrariam pasmada, obtusa, absorta;
Eu só perdera a vida pela tua,
Inda que a arrojo o mundo o atribua.
Pasme de assombro, ou da fineza a terra,
Trema do caso, ou da estranheza o monte,
De invejosas as aves se dêem guerra
De corrido se mude o Horizonte:
Co'as nuvens indignadas choque a serra,
Brame o mar, soe o Céu, murmure a fonte,
Que eu firme nesta minha fantesia
Não só a vida, a alma te daria.
Dá-la-ia não só por imitar-te,
Se cabe em minha dor tão alta sorte,
Senão por despojar-me, e despojar-te
A mim do sentimento, a ti da morte:
Não só daria a alma por mostrar-te,
Que não tenho outro alívio em mal tão forte:
Senão (pois perde tanto em ser tão sua)
Por melhorá-la com fazê-la tua.
Um soneto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.
Na quinta torce agora a porca o rabo:
A sexta vá também desta maneira,
na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.
Agora nos tercetos que direi?
Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.
Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.
Tanta virtude excelente
de animoso, e de alentado,
de valeroso soldado,
e de cortesão valente,
viu o mundo, e soube a gente,
que inda que em santo podia
transformar-se a Senhoria,
o Conde o não conseguiu,
porque de noite caiu,
e o Santo cai no seu dia.
Se o Conde caiu de noite,
como o teremos por Santo,
quando a queda um tanto, ou quanto,
teve do divino açoite:
quis Deus, que o Conde se afoite,
porque visse o bom Soldado,
que o Conde de puro honrado
quis, que o visse a própria terra,
quanto arrojado na guerra,
na paz tão precipitado.
Ícaro da nossa guerra
ares corta o Conde só,
Ícaro caiu no Pó,
e o Conde caiu na terra:
se, porque o rio o enterra,
o nome lhe ficou dado
de Ícaro ter sepultado:
assim porque a terra dura
deu ao Conde sepultura,
ficou a terra um condado.
De cera, e pluma se val
Ícaro para viver,
e o Conde para morrer
valeu-se do natural:
quanto a força artificial
da natureza é sobrada
fica a do Conde adiantada,
porque Ícaro quando bóia
faz tragédia de tramóia,
e o Conde de capa, e espada.
Tinha o Conde de morrer;
todo o mortal nisto pára,
e se ele se não matara,
quem lho havia de fazer?
fez bem o Conde a meu ver,
quando ao jardim se arrojou,
e entre as flores expirou:
vento é a vida em rigor,
e como o Conde era flor,
entre as flores acabou.
Se ignorou alguns sentidos,
porque tanto mal se urdiu,
era valido, e caiu,
que o cair é dos validos:
tão certos são, e sabidos
no monte, no lar, na praça
estes reveses da graça,
que é já dos Palácios lei,
que quem da graça d’EI-Rei
cai, cai da sua desgraça.
Nesse precipício, Conde,
fostes Ícaro segundo,
bem que a Dédalo no mundo
vossa fama corresponde:
em parte caístes, onde
como Ícaro morrestes,
mas a Dédalo excedestes
nesses labirintos tristes,
em fazer no que caístes,
e em cair, no que fizestes.
Caiu o Conde, e se diz,
que foi por um caso atroz,
porém já corre outra voz,
que a esta se contradiz:
que foram uns frenesis
do juízo descortês:
mas eu digo desta vez
ouvindo do baque o truz,
que o juízo ao Conde induz
ter caído, no que fez.
Aqui jaz, em que lhe pes,
quem tudo fez com má sorte,
e só na hora da morte
caiu naquilo, que fez.
Quando a morte de Abner David sentia,
Mandou a seus vassalos, que chorassem,
E que em lágrimas todos publicassem
Quanto o Reino Ihe deve, e o Rei devia.
Cada qual seu tormento repetia,
Sem querer, que os dos outros o igualassem
E todos procuravam, que mostrassem
As lágrimas dilúvio, a dor porfia.
Pois se a morte de Abner se sente tanto,
Só por ser General valente, e forte,
Que move o Reino, e Rei a tanto pranto:
Lamente Portugal, e sinta a Corte
A morte de Marialva, porque espanto
Foi do mundo, e o pudera ser da Morte.
Aqui jaz o coração
do mais valente Anibal,
que restaurou Portugal com a espada de co’a razão:
aos pés do Rei quarto João
lhe mandaram dar jazigo,
para que a todo o perigo
os dous unidos por lei
achasse o vassalo ao Rei,
e tivesse o Rei o amigo.
Aqui jaz o coração
do vassalo mais leal,
a quem deve Portugal
o quarto Rei Dom João:
e assim com justa razão
lhe dão a seus pés jazigo,
porque a todo o perigo
unidos os dous por lei
achasse a lealdade o Rei,
tivesse o vassalo amigo.
Em três partes enterrado
está o corpo do Marquês
de Marialva: porque em dez
mil seu nome é venerado:
e foi destino acertado,
que em tanta parte estivesse,
para que o mundo soubesse,
que este valeroso Marte
morto assiste em qualquer parte,
como se ainda vivesse.
Ó caso o mais fatal da triste sorte!
Ó terrível pesar! ó dor imensa!
Quem viu, que em breves dias de doença
Acabasse valor, que era tão forte!
Quem viu prostrar-se a gala de Mavorte,
Que hoje em cinza se ve à morte apensa!
Que como se prostrou, logo a licença
Concedeu livremente ousada à morte.
Já se vê o valor, que esclarecido
Foi, em urnas de pedra sepultado
Do sujeito mais grave, e entendido.
À Parca rigorosa sujeitado,
Acabado já, e em cinzas consumido
o esforço, que se viu mais alentado.
Teu alto esforço, e valentia forte
Tanto a outro nenhum valor iguala,
Que teve o céu cobiça de lográ-lo,
Que teve inveja de vencê-la a morte.
O céu veio a lográ-la, mas por sorte,
Que por poder não pôde conquistá-la;
A morte por haver de contrastá-la
Vigor de lei tomou, e deu-lhe o corte.
Prêmios, que mereceste, e nunca viste,
Todos com teu valor os desprezaste,
E com os merecer lhe resististe.
O cargo, que na vida não lograste,
Esse o mofino é, órfão, e triste,
Pois te não falta a ti, tu lhe faltaste.
Quem há de alimentar de luz ao dia?
Quem de esplendor ilustrará a Nobreza?
Quem há de dar lições de gentileza
A toda a gentileza da Bahia?
Já feneceu do mundo a galhardia,
Melancólica jaz a natureza,
Vendo em pó reduzida a fortaleza,
E em cinzas desatada a fidalguia.
O Marte (digo), que ao combate expunha
O peito sem temor, que ao mundo assombra,
Sendo da paz terror, da guerra espanto.
Foi este o Senhor Matias da Cunha,
Que hoje nos dá tornado em fria sombra
Ao discurso pesar, aos olhos pranto.
Oh não te espantes não, Dom Antonio,
Que se atreva a Bahia
Com oprimida voz, com plectro esguio
Cantar ao mundo teu rico feitio,
Que é já velho em Poetas elegantes
O cair em torpezas semelhantes.
Da Pulga acho, que Ovídio tem escrito,
Lucano do Mosquito,
Das Rãs Homero, e destes não desprezo,
Que escreveram matérias de mais peso
Do que eu, que canto cousa mais delgada
Mais chata, mais sutil, mais esmagada.
Quando desembarcaste da fragata,
Meu Dom Braço de Prata,
Cuidei, que a esta cidade tonta, e fátua
Mandava a Inquisição alguma estátua
Vendo tão espremida salvajola
Visão de palha sobre um Mariola.
O rosto de azarcão afogueado,
E em partes mal untado,
Tão cheio o corpanzil de godolhões,
Que o julguei por um saco de melões;
Vi-te o braço pendente da garganta,
E nunca prata vi com liga tanta.
O bigode fanado feito ao ferro
Está ali num desterro,
E cada pêlo em solidão tão rara,
Que parece ermitão da sua cara:
Da cabeleira pois afirmam cegos,
Que a mandaste comprar no arco dos pregos.
Olhos cagões, que cagam sempre à porta,
Me tem esta alma torta,
Principalmente vendo-lhe as vidraças
No grosseiro caixilho das couraças:
Cangalhas, que formaram luminosas
Sobre arcos de pipa duas ventosas.
De muito cego, e não de malquerer
A ninguém podes ver;
Tão cego és, que não vês teu prejuízo
Sendo cousa, que se olha com juízo:
Tu és mais cego, que eu, que te sussurro,
Que em te olhando, não vejo mais que um burro.
Chato o nariz de cocras sempre posto:
Te cobre todo o rosto,
De gatinhas buscando algum jazigo
Adonde o desconheçam por embigo:
Até que se esconde, onde mal o vejo
Por fugir do fedor do teu bocejo.
Faz-lhe tal vizinhança a tua boca,
Que com razão não pouca
O nariz se recolhe para o centro
Mudado para os baixos lá de dentro:
Surge outra vez, e vendo a bafarada
Lhe fica a ponta um dia ali engasgada.
Pernas, e pés defendem tua cara:
Valha-te; e quem cuidara,
Tomando-te a medida das cavernas
Se movesse tal corpo com tais pernas!
Cuidei, que eras rocim das alpujarras,
E já frisão te digo pelas garras.
Um casaquim trazias sobre o couro,
Qual odre, a quem o Touro
Uma, e outra cornada deu traidora,
E lhe deitou de todo o vento fora;
Tal vinha o teu vestido de enrugado,
Que o tive por um odre esfuracado.
O que te vir ser todo rabadilha
Dirá que te perfilha
Uma quaresma (chato percevejo)
Por Arenque de fumo, ou por Badejo:
Sem carne, e osso, quem há ali, que creia,
Senão que és descendente de Lampreia.
Livre-te Deus de um Sapateiro, ou Sastre,
Que te temo um desastre,
E é, que por sovela, ou por agulha
Arme sobre levar-te alguma bulha:
Porque depositando-te à justiça
Será num agulheiro, ou em cortiça.
Na esquerda mão trazias a bengala
ou por força, ou por gala:
No sovaco por vezes a metias,
Só por fazer enfim descortesias,
Tirando ao povo, quando te destapas,
Entonces o chapéu, agora as capas.
Fundia-se a cidade em carcajadas,
Vendo as duas entradas,
Que fizeste do Mar a Santo Inácio,
E depois do colégio a teu palácio:
O Rabo erguido em cortesias mudas,
Como quem pelo cu tomava ajudas.
Ao teu palácio te acolheste, e logo
Casa armaste de jogo,
Ordenando as merendas por tal jeito,
Que a cada jogador cabe um confeito:
Dos Tafuis um confeito era um bocado,
Sendo tu pela cara o enforcado.
Depois deste em fazer tanta parvoíce,
Que inda que o povo risse
Ao princípio, cresceu depois a tanto,
Que chegou a chorar com triste pranto:
Chora-te o nu de um roubador de falso,
E vendo-te eu direito, me descalço.
Xinga-te o negro, o branco te pragueja,
E a ti nada te aleija,
E por teu sensabor, e pouca graça
És fábula do lar, riso da praça,
Té que a bala, que o braço te levara,
Venha segunda vez levar-te a cara.
Tempo, que tudo trasfegas,
fazendo aos peludos calvos,
e pelos tornar mais alvos
até os bigodes esfregas:
todas as caras congregas,
e a cada uma pões mudas,
tudo acabas, nada ajudas,
ao rico pões em pobreza,
ao pobre dás a riqueza,
só para mim te não mudas.
Tu tens dado em mal querer-me,
pois vejo, que dá em faltar-te
tempo só para mudar-te, s
e é para favorecer-me:
por conservar-me, e manter-me
no meu infeliz estado,
até em mudar-te hás faltado,
e estás tão constante agora,
que para minha melhora
de mudanças te hás mudado.
Tu, que esmaltas, e prateias
tanta gadelha dourada,
e tanta face encarnada
descoras, turbas, e afeias:
que sejas pincel, não creias,
senão dias já passados;
mas se esmaltes prateados
branqueiam tantos cabelos,
como, branqueando pêlos,
não me branqueias cruzados?
Se corres tão apressado,
como paraste comigo?
corre outra vez, inimigo,
que o teu curso é meu sagrado:
corre para vir mudado,
não pares por mal de um triste:
porque, se pobre me viste,
paraste há tantas auroras,
bem de tão infaustas horas
o teu relógio consiste.
O certo é, seres um caco,
um ladrão da mocidade,
por isso nesta cidade
corre um tempo tão velhaco:
farinha, açúcar, tabaco
no teu tempo não se alcança,
e por tua intemperança
te culpa o Brasil inteiro,
porque sempre és o primeiro
móvel de qualquer mudança.
Não há já, quem te suporte;
e quem armado te vê
de fouce, e relógio, crê,
que és o percussor da morte:
vens adiante de sorte,
e com tão fino artifício,
que à morte forras o ofício;
pois ao tempo de morrer,
não tendo já que fazer,
perde a morte o exercício.
Se o tempo consta de dias,
que revolve o céu opaco,
como tu, tempo velhaco,
constas de velhacarias?
não temas, que as carestias,
que de ti se hão de escrever,
te darão a aborrecer
tanto as futuras idades,
que, ouvindo as tuas maldades,
a cara te hão de torcer.
Se, porque penas me dês,
paras cruel, e inumano,
o céu santo, e soberano
te fará mover os pés:
esse azul móvel, que vês,
te fará ser tão corrente,
que não parando entre a gente,
preveja a Bahia inteira,
que há de correr a carreira
com pregão de delinqüente.
Preso entre quatro paredes
me tem Sua Senhoria
por golotão de despachos,
por fundidor de mentiras.
Dizem, que sou um velhaco,
e mentem por vida minha,
que o velhaco era o Governo,
e eu sou a velhacaria.
Quem pensara, e quem dissera,
quem cuidara, e quem diria,
que um braço de prata velha
pouca prata, e muita liga!
Tanto mais que o Braço Forte
fosse forte, que poria
um cabo de calabouço,
e um soldado de golilha!
Porém eu de que me espanto,
se nesta terra maldita
pode uma onça de prata
mais que dez onças de alquímia.
Quem me chama de ladrão,
erra o trincho à minha vida,
fui assassino de furtos,
mandavam-me, obedecia.
Despachavam-me a furtar;
eu furtava, e abrangia,
e são boas testemunhas
inventários, e partilhas.
Eu era o ninho de guincho,
que sustentava, e mantinha
com suor das minhas unhas
mais de dez aves rapinhas.
O Povo era, quem comprava,
o General, quem vendia,
eu triste era o corretor
de tão torpes mercancias.
Vim depois a enfadar,
que sempre no mundo fica
aborrecido o traidor,
e a traição muito bem vista.
Plantar de fora o ladrão,
quando a ladroíce fica,
será limpeza de mãos,
mas de mãos mui pouco limpas.
Eles cobraram o seu
dinheiro, açúcar, farinha,
até a mim me embolsaram
nesta hedionda enxovia.
Se foi bem feito, ou mal feito,
o sabe toda a Bahia,
mas se a traição ma fizeram,
com eles a traição fica.
Eu sou sempre o Braço Forte,
e nesta prisão me anima,
que se é casa de pecados,
os meus foram ninharias.
Todo este mundo é prisão,
todo penas, e agonias,
até o dinheiro está preso
em um saco, que o oprima.
A pipa é prisão do vinho,
e da água fugitiva
(sendo tão leve, ligeira)
é prisão qualquer quartinha.
Os muros de pedra, e cal
são prisão de qualquer vila,
d'alma é prisão o corpo,
do corpo é qualquer almilha.
A casca é prisão das fruitas,
da rosa é prisão a espinha,
o mar é prisão da terra,
a terra é prisão das minas.
É cárcere do ar um odre,
do fogo é qualquer pedrinha,
e até um céu de outro céu
é uma prisão cristalina.
Na formosura, e donaire
de uma muchacha divina
está presa a liberdade,
e na paz a valentia.
Pois se todos estão presos,
que me cansa, ou me fadiga,
vendo-me em casa d'EI-Rei
junto à Sua Senhoria?
Chovam prisões sobre mim,
pois foi tal minha mofina,
que, a quem dei cadeias d'ouro,
de ferro mas gratifica.
Senhor Antão de Sousa de Meneses,
Quem sobe a alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha autora de entremezes
Transpõe em burro o Herói, que indigno cresce
Desanda a roda, e logo o homem desce,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem (sei eu) que foi Vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a Roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois vá descendo do alto, onde jazia,
Verá, quanto melhor se lhe acomoda
Ser home em baixo, do que burro em cima.
floresce, e enriquece o Estado,
floresce sim pelo Prado,
e enriquece pelas Minas:
As Aves, que peregrinas
aos montes se retiraram,
nesta manhã já cantaram
com tão doce melodia,
que a noite se tornou dia,
porque as penas se acabaram.
a alegre serenidade,
com que toda a tempestade
do triste inverno acabou:
já Saturno declinou
nas operações malignas,
com influências benignas
Júpiter predominante
nos promete ano abundante
De flores, e pedras finas.
Se destes aspectos tais
bem se calcula a figura,
teremos grande fartura,
não há de haver fome mais:
mostras temos, e sinais
de um tempo muito abastado:
porque bem considerado
dele tem o próprio efeito;
já vemos, que a seu respeito
Floresce, e enriquece o Estado.
Para ser enriquecido
este Estado, e florescente,
temos a causa patente
no Planeta referido:
nem se equivoca o sentido
no efeito aqui declarado:
porque sendo bem notado
o estado, como parece,
se pelo mais não floresce,
Floresce sim pelo Prado.
Pelo Prado flor a flor
se vai a terra esmaltando,
com que o clima está mostrando
temperamento melhor:
do Luminar superior
por tais influências dignas
sendo as pedras, e boninas
da terra únicos primores
pois se esmalta pelas flores,
E enriquece pelas Minas.
Na terra já se exprimentam
virações tão temperadas,
que as aves determinadas
tornar aos ninhos intentam:
já não sentem, nem lamentam
tempestuosas ruínas,
pois com salvas matutinas
se mostram tão prazenteiras,
que mais parecem caseiras
As aves, que peregrinas.
Sua peregrinação
influxo foi de Saturno,
Planeta sempre noturno,
e muito importuno então:
todas nessa conjunção
seus doces ninhos deixaram,
e tanto se recearam
do nocivo temporal,
que escolhendo o menor mal,
Aos montes se retiraram.
Porém tanto que sentiram
haver no tempo mudança,
sem receio, e sem tardança
aos ninhos se reduziram:
outros ares advertiram,
outra clemência notaram,
com que alegres publicaram
dos astros os movimentos,
e com festivos acentos
Nesta manhã já cantaram.
Cantaram para mostrar
com repetidas cadências
singulares excelências
de um Planeta singular:
tal doçura no cantar
não se ouviu nesta Bahia,
ouvindo-se na harmonia
modulações tão suaves,
que nunca cantaram aves
com tão doce melodia.
Cada qual com voz sonora
nos mutetes, que cantavam,
por mil modos explicavam
de todo estado a melhora:
cada instante, e cada hora
a música mais se ouvia;
no Prado resplandecia
por modo maravilhoso
um lustre tão luminoso
que a noite se tornou dia.
Entre as aves modulantes,
que este nosso País tem
todas cantavam o bem,
de que são participantes:
dos males, que foram dantes,
todas também se queixaram;
assim que todas mostraram
com alegrias notórias,
que começaram as glórias,
Porque as penas se acabaram.
Daqui desta Praia grande,
Onde à cidade fugindo,
conventual das areias
entre os mariscos habito:
A vós, meu Conde do Prado,
a vós, meu Príncipe invicto,
Ilustríssimo Mecenas
de um Poeta tão indigno.
Enfermo de vossa ausência
quero curar por escrito
sentimentos, e saudades,
lágrimas, penas, suspiros.
Quero curar-me convosco,
porque é discreto aforismo,
que a causa das saudades
se empenhe para os alívios.
Ausentei-me da Cidade,
porque esse Povo maldito
me pôs em guerra com todos,
e aqui vivo em paz comigo.
Aqui os dias me não passam,
porque o tempo fugitivo,
por ver minha solidão,
pára em meio do caminho.
Graças a Deus, que não vejo
neste tão doce retiro
hipócritas embusteiros,
velhacos entremetidos.
Não me entram nesta palhoça
visitadores prolixos,
políticos enfadonhos,
cerimoniosos vadios.
Uns néscios, que não dão nada,
senão enfado infinito,
e querem tirar-me o tempo,
que me outorga Jesu Cristo.
Visita-me o lavrador
sincero, simples, e liso,
que entra co'a boca fechada,
e sai co queixo caído.
En amanhecendo Deus,
acordo, e dou de focinhos
co sol sacristão dos céus
toca aqui, toca ali signos.
Dou na varanda um passeio,
ouço cantar passarinhos
docemente, ao que eu entendo,
exceto a letra, e o tonilho.
Vou-me logo para a praia,
e vendo os alvos seixinhos,
de quem as ondas murmuram
por mui brancos, e mui limpos:
os tomo em minha desgraça
por exemplo expresso, e vivo,
pois ou por limpo, ou por branco
fui na Bahia mofino.
Queimada veja eu a terra,
onde o torpe idiotismo
chama aos entendidos néscios,
aos néscios chama entendidos.
Queimada veja eu a terra
onde em casa, e nos corrilhos
os asnos me chamam d'asno,
parece cousa de riso.
eu sei um clérigo zote
parente em grau conhecido
destes, que não sabem musa,
mau grego, e pior latino:
Famoso em cartas, e dados
mais que um ladrão de caminhos,
regatão de piaçavas,
e grande atravessa-milhos:
Ambicioso, avarento,
das próprias negras arnigo
só por fazer a gaudere,
o que aos outros custa jimbo.
Que se acaso em mim lhe falam,
torcendo logo o focinho,
ninguém me fale nesse asno,
responde com todo o siso.
Pois agora (pergunto eu)
se Job fora ainda vivo
sofrera tanto ao diabo,
como eu sofro este percito?
Também sei, que um certo Beca
no pretório presidindo,
onde é salvage em cadeira,
me pôs asno de banquinho.
Por sinal que eu respondi,
a quem me trouxe este aviso,
se fosse asno, como eu sou,
que mal fora a esse Ministro.
Eu era lá em Portugal
sábio, discreto, e entendido,
Poeta melhor, que alguns,
douto como os meus vizinhos.
Chegando a esta cidade,
logo não fui nada disto:
porque o direito entre o torto
parece, que anda torcido.
Sou um herege, um asnote,
mau cristão, pior ministro,
mal entendido entre todos,
de nenhum bem entendido.
Tudo consiste em ventura,
que eu sei de muitos delitos
mais graves que os meus alguns,
porém todos sem castigo.
Mas não consiste em ventura,
e se o disse, eu me desdigo;
pois consiste na ignorância
de Idiotas tão supinos.
De noite vou tomar fresco,
e vejo em seu epiciclo
a lua desfeita em quartos
como ladrão de caminhos.
O que passo as mais das noites,
não sei, e somente afirmo,
que a noite mais negra, escura
em claro a passo dormindo.
Faço versos mal limados
a uma Moça como um brinco,
que ontem foi alvo dos olhos,
hoje é negro dos sentidos.
Esta é a vida, que passo,
e no descanso, em que vivo,
me rio dos Reis de Espanha
em seu célebre retiro.
Se, a quem vive em solidão,
chamou beato um gentio,
espero em Deus, que hei de ser
por beato inda benquisto.
Mas aqui, e em toda a parte
estou tão oferecido
às cousas do vosso gosto,
como de vosso serviço.
Generoso Dom Francisco,
mais que Conde Rei do prado,
porque se a Rosa é Rainha,
rei sois vóis, pois sois o Cravo.
Majestoso ramilhete
por cuja causa logramos
trinta e seis meses de flores,
que um mês fizeram de Maio.
Luminar esclarecido,
em quem tanto estão brilhando
as luzidas excelências
desses ascendentes Astros.
Ouvi de meus sentimentos
a voz, inda que o reparo
note, que para a matéria
o instrumento é mui baixo.
Ouvi meus saudosos tonos,
que é bem, Senhor Soberano,
que, quem deu assunto à solfa,
se digne de ouvir os cantos.
Neste papel ponde os olhos,
pois já quisestes dignar-vos
de verdes da minha Musa
noutro tempo outro traslado.
Naquele tempo, então digo,
quando escapei são, e salvo
por vosso bom patrocínio
de mil testemunhos falsos.
Quando viu toda a Bahia
no decurso de três anos
sempre em flor vosso carinho,
nunca murcho o vosso agrado
Aqui mil órgãos quisera,
para que com mil meatos
sempre ferisse os encômios,
onde soam os aplausos.
Mas inda assim não podiam
entender-se os vôos tanto,
que não ficassem sucintos
para elogios tão altos.
Aquele ligeiro monstro,
que nas presunções de alado
pelas plumas marca os vôos,
pelos vôos mede os passos.
Só pode com nova tuba
referir em pregões altos
os timbres da vossa pompa,
as prendas do vosso garbo.
Referirá, Senhor Conde,
que sempre os feitos preclaros
têm por doação dos tempos
da Fama os maiores brados.
Esta vai com grande empenho
desta Praça, para dar-vos
sobre as aras do meu trono
da memória os holocaustos.
Digo, que vai desta Praça,
onde em público teatro
vemos do melhor governo
os mais heróicos ensaios.
Do Mestre as prerrogativas
toquei em hino mais amplo
por ver-se nas lições suas
da pena o primeiro aparo.
Aqui dos seus documentos
nada digo, nada trato,
que pois o assunto é só vosso,
só convosco agora falo.
Só convosco, porque o gênio,
que é para pouco trabalho,
mal pode ser juntamente
Jardineiro, e Lapidário.
Tanto que vos embarcastes,
logo então fiquei notando,
que na falta do presente
se conhece o bem passado.
Por vossa ausência às escuras
fica a terra, e não me espanto,
de que quando o sol se ausenta,
se ausente da Luz os raios.
A vista dos nossos olhos
éreis; com que fica claro,
pois, meu Senhor, vos perdemos,
que sem vós cegos ficamos.
A vossa falta sentimos
geralmente neste estado,
que sentir-se a grande perda
efeito é muito ordinário.
Sente o grande, que não tem
o Prado alegre em Palácio,
o gentil Cravo na rua,
a Flor brilhante no Campo.
Sente igualmente o pequeno
não ter em seus desamparos
abrigo para a tormenta
e tábua para o naufrágio.
Eu sinto, e sentimos todos,
que fosse tão breve o prazo
dos objetos para a vista,
da vista para os regalos.
Mas não podia o triênio,
sendo um bem dos bens humanos,
deixar de incluir o logro
nos termos de momentâneo.
Nesta suposição nossa
concorrem motivos vários
uns por parte dos alívios,
outros em favor dos prazos.
Mas prevalecem as penas,
que os corações magoados,
quando a dor mais dissimulam,
então estão mais penando.
Não permita vossa ausência,
no sentimento intervalos,
que no mal sempre contino
nunca desconsolos faltam.
Vossa saudade gememos
nossa solidão choramos
se na solidão chorosos,
na saudade solitários.
Nesta assistência tão breve
nos mostrou o desengano
não ser para pecadores
o comércio de tal Anjo.
Do Prado mais ameno a flor mais pura,
Que em fragrâncias o alento há desatado,
Hoje a fortuna insípida há roubado
A pompa, o ser, a gala, a formosura.
Flor foste, ó Conde, a quem a desventura
Por decreto fatal do iníquio fado
Quis dar-te como flor do melhor Prado
Tumba no mar, nas águas sepultura.
Porque menos decente o monumento
Poderias achar no infeliz caso
De ver extinto tanto luzimento.
Por magnânimo herói no final prazo
Somente na extensão desse elemento
Terias como sol decente ocaso.
Em essa de cristal campanha errante
Da morte um peito ilustre foi vencido,
Mágoa, que o mar chorava fementido
Com lágrimas de neve, ou de diamante.
Neste teatro horrível, e inconstante
Aos rigores do tempo pôs rendido
A sua pompa o Prado mais florido,
Fim a seu curso o sol mais rutilante.
Como Prado em tormentas inundado,
Como sol, que apressado a esfera corre,
Teve o seu fim nas águas destinado.
Por que se bem se adverte, ou se discorre,
Se o mar inunda, se sepulta o prado,
E se fenece o sol, nas ondas morre.
No Reino de Netuno submergido
Nos campos de Anfitrite sepultado
Tem a Sorte a mais bela Flor, que o Prado
Em sua amenidade há produzido.
Os realces ilustres tem perdido,
porque a Parca os alentos lhe há roubado,
cuja memória os mares têm chorado,
cuja lembrança as águas têm sentido.
Mas se de flor, ó Conde a preminência
Gozavas em teu florido viver,
Que muito não tivesses existência!
Pois a flor, que mais pompa vem a ter
Se pondera em uma hora sem falência
Sujeita à pensão fera de morrer.
Nasce el sol de los astros presidente
Principe en las espheras conocido,
Y aunque el dia le mira el mas luzido,
La noche se le atreve irreverente.
Sirve le de sepulchro transparente
El mar, pension fatal de haver nascido,
Pues el que en todo un ciclo nó ha cabido,
Le viene a ser el mar urna decente.
Sol fuiste, Conde ilustre, en la nobleza,
A quien la triste noche se le atreve,
Pues es el morir del sol naturaleza.
Hallaste como el sol tumba de nieve,
Pues siendo corto el sol à tu grandeza,
Solo à tal sol tal urna se le deve.
Num dia próprio a liberalidades,
No qual o Rei dos Reis aos Reis aceita,
Não é muito, que quem Rei vos respeita,
Vos troque a Senhoria em majestades.
Obriga-me a pedir calamidades
A que o meu fado triste me sujeita,
Obriga-vos a dar a mão perfeita,
Com que sabeis matar necessidades.
Chegaram hoje os Reis do diversório
A tributar incenso, mirra, e ouro,
Fazendo do presépio um oratório:
Se guiou aos três Reis Planeta Louro,
Guie-me a minha estrela o peditório,
Com que na vossa mão ache um tesouro.
Senhor: se quem vem, não tarda,
vim eu em boa ocasião,
pois da Guarda o capitão
é Anjo da minha guarda:
vossa presença galharda,
vossa dócil natureza
bem mostram, que sois na empresa
da minha fortuna imensa
capitão pela defensa
Anjo pela gentileza.
Obrigado a tão bom trato,
que em mim é lance infalível,
o desempenho impossível
temo, que me faça ingrato:
mas como já me precato
de tão previsto desar,
que eu não basto a desviar,
sirva de escusa, ou perdão,
que não falta à gratidão,
quem se peja de faltar.
Na Corte em era oportuna
vistes a minha abastança,
hoje vereis a mudança
da minha infausta fortuna:
de estrela tão importuna
dera uma justa querela,
porque hajais de corrige-la:
mas no mundo é já patente,
que como sábio, e prudente
dominastes minha estrela.
Mudei-me de ponto a ponto
de Portugal ao Brasil,
lá deixo infortúnios mil,
acho cá ditas sem conto:
co’as ditas é, que de ponto
a desgraça lá passada,
e a graça considerada
está em vós, meu capitão,
que a dita está na eleição
da sombra, a que está chegada.
Senhor: Os Negros Juízes
da Senhora do Rosário
fazem por uso ordinário
alarde nestes Países:
como são tão infelizes,
que por seus negros pecados
andam sempre emascarados
contra a lei da policia,
ante Vossa Senhoria
pedem licença prostrados.
A um General Capitão
suplica a Irmandade preta,
que não irão de careta,
mas descarados irão:
todo o negregado Irmão
desta Irmandade bendita
pede, que se lhe permita
ir ao alarde enfrascados,
não de pólvora atacados,
calcados de jeribita.
Senhor: deste meu Sobrinho
afirmou um Padre tolo,
que é furado do miolo,
sendo o tal Padre o tolinho:
não é doudo, nem doudinho,
falando na realidade,
mas se hei de dizer verdade,
e nada hei de encobrir,
anda morto por servir
aqui Sua Majestade.
Pode Vossa Senhoria,
se nisto acertar deseja,
permitir, que o Moço seja
soldado de Infantaria:
e se alcançar algum dia,
que falei afeiçoado,
eu me dou por condenado,
e sem recurso nenhum
a servir sem soldo algum
em lugar deste Soldado.
Sei eu, Senhor, que Vossa Senhoria
Mandou dar ao Faria um bom vestido,
Sendo, que mais o tinha merecido
A mulher do mesmíssimo Faria
Provo: todo o prazer, gosto, e alegria,
Que se tem do Faria deduzido,
O deu sempre a Mulher, nunca o Marido.
Que ela ia pra Angola, e ele não ia.
Assim que se a Mulher vai para Angola,
E ele fica na infame lupanária,
Sua ausência cruel pondo à viola:
Tiro por conseqüência temerária,
Que à Mulher se lhe deve dar a esmola,
Que em crítico se diz mercê ordinária.
Se da Guarda pareceis
Anjo sobre capitão,
não é novidade não,
que de males nos livreis:
dobrado ofício fazeis
em qualquer nossa aflição,
pois com nobre coração
nos livrais amante interno,
se como Anjo do inferno,
do mais como capitão.
Quem, Senhor, celebrando a vossa idade,
Os anos com prazer vos vai contando,
Parece, que vos vai aproximando
Para lograr tal dia a vossa herdade.
Se a conta vos chegara a eternidade,
Contente vo-la iria numerando,
Mas dá-me desprazer a conta, quando
Temo a raia tocar da mortandade.
Com olhos sempre postos na Ordinária
Vos dou os parabéns sem falso engano
De ver-vos contrastando a sorte vária.
Mas se por fim me dais o desengano
(que em vós seria cousa extraordinária)
Direi, que em tal dia fará um ano.
A quem não dá aos fiéis
perdão, se lhe há de outorgar,
eu hoje vos hei de dar,
pedindo me perdoeis:
dou-vos, o que mais quereis,
e o que pedis por favor,
que quando chega um Senhor
a pedir, por não mandar,
mal lhe podia eu faltar
cuma sátira em louvor.
Não fui beijar-vos a mão,
e dar-vos a bem chegada,
porque nessa alta morada
nunca tive introdução:
até agora a indignação
não quis tão altivo trato,
mas hoje é quase distrato,
porque em todo mundo inteiro
de fidalgo, e de escudeiro
são brincos de cão com gato.
Os Fidalgos, e os Senhores
faltos de jurisdição
fazem tudo, e tudo dão
a amigos, e servidores:
os que jogam de maiores
por sangue, e não por poder
fazem jogo de entreter:
porque o sangue desigual
sempre brota ao natural,
e o mando bota a perder.
Perdoai a digressão,
porque esta prolixidade
é boa luz da verdade,
e escusa a sátira então:
quando se ofreça ocasião,
meu Senhor, de que eu vos veja
(na Igreja, ou na rua seja)
hei de prender-vos os pés,
e estai certo, que essa vez
vos não valerá a Igreja.
Estou na minha quintinha,
que é chácara soberana,
ora comendo a banana,
jogando ora a laranjinha:
nem vizinho, nem vizinha
tenho, porque sempre cansa
quem vê tudo, e nada alcança,
e na cidade são raros
os olhos, que não são claros,
se olhos são de vizinhança.
Mas inda que desterrado
me tem o fado, e a sorte
por um Juiz de má morte,
de quem não tenho apelado:
é hoje, que sois chegado,
Senhor, o tempo, em que apele;
fazei, que El-Rei o desvele
pagar o serviço meu,
pois é bizarro, e só
eu não vim muito pago dele.
No culto, que a terra dava,
equivocava-se a vista,
se celebrava o Batista,
se ao Coutinho festejava:
um e outro João estava
arrojando à sua planta
tanto aplauso, e festa tanta:
mas viu-se, que ao mesmo dia,
em que o Batista caía,
o Coutinho se levanta.
Viu-se, que um João Batista
na terça-feira caíra,
e que outro João subira
a imperar esta conquista:
mas não se enganou a vista
por desacerto, ou desgraça,
antes com divina traça
se notou, e se advertiu,
que se um com graça caiu,
outro nos caiu em graça.
Braba ocorrência se achou
no martirológio então,
o dia era de um João,
e outro João lhe levou:
toda a cidade assentou
por razão, se por carinho
ser mais acerto, e alinho
preferir entre dous grandes
como um Silva a um Fernandes
a um Batista um Coutinho.
Mais ocorrências se leram,
porque pasmasse a Bahia,
dous num dia há cada dia,
mas três nunca concorreram:
três de um nome então vieram,
e qual mais para aplaudido,
e assim confuso, e sentido
ficou com tão nova traça
restaurada a nossa Praça
e o Calendário aturdido.
Se de um só João no dia
se abalava a cristandade,
por três de tal qualidade
quem se não abalaria!
tudo quanto então se via,
se via com grande abalo,
um mar de fogo a cavalo,
a pé um Etna de flores,
e por ver tantos primores
o Céu dava tanto estalo.
A ver o grande Alencastro
quem não fez do aperto graça:
se saiu o sol à praça
fazer praça a tanto Astro?
o bronze pois, e alabastro
por solenizar a glória
consentirão, que esta história
fique por mais segurança
nos arquivos da lembrança
nos volumes da memória.
Entre aplausos gentis com luz preclara
Resplandece do sol a monarquia,
E o Príncipe da Luz, que o céu regia
Estático a carroça ardente pára.
E com razão: pois vê, se bem repara,
outro novo Faetonte neste dia,
E sente arder o mundo, como ardia,
Quando ao filho o governo delegara.
Pare pois, e repare, que o decreta
Astréia, porque aprenda no alto pólo
Ditames de luzir deste Planeta.
Sua fama andará de pólo a pólo,
Pois o Jove, que empunha uma gineta,
Faetonte é na luz, no garbo Apolo.
Veio ao Espírito Santo
da Ilha da Madeira Alz.
um Escudeiro Gonçalves
mais pobretão, que outro tanto:
e topando a cada canto
as Tapuias do lugar
havendo uma de tomar
para a bainha da espada,
tomou Vitória agradada,
que então lhe soube agradar.
A tal era uma Tapuia
grossa como uma jibóia,
que roncava de tipóia,
e manducava de cuia:
tocando ela a Aleluia,
tirava ele a culumbrina
com tal estrago, e ruína,
que chegando a conjuncão
lhe encaixou a opilação
por entre as vias da urina.
Pariu a seu tempo um cuco,
um monstro (digo) inumano,
que no bico era tucano
e no sangue mamaluco:
mas não tendo bazaruco,
com que faça o batizado
lhe assistiu sem ser rogado
um troço de fidalguia
pedestre cavalaria
toda de beiço furado.
O Cura, que não curou
de buscar no Calendário
nome de Santo ordinário,
por Antônio o batizou:
tanto o colonim mamou,
e tais forças tomou, que
antes de se pôr de pé,
e antes de estar já de vez,
não falava o português,
mas dizia o seu cobé.
Cansado de ver a Avoa
co'as cuias à dependura,
tratou de buscar ventura,
e embarcou numa canoa:
vindo aportar a Lisboa,
presumiu de fidalguia,
cuidou, que era outra Bahia,
onde basta a presunção
para fazer-se a um cristão
muchíssima cortesia.
Casou com uma rascoa,
que por ele ardia em chamas,
e era criada das Damas
da Rainha de Lisboa:
era uma grande pessoa,
porque tinha um cartapácio,
onde estudava de espácio
todo o primor cortesão,
que até um sujo esfregão
cheira a primor em Palácio.
Nasceu deste matrimônio
um Anjo, digo, um Marmanjo,
que era no simples um Anjo,
e no maligno um demônio:
deram-lhe por nome Antônio;
oh se o Santo tal cuidara!
creio eu, que se irritara
o grande Português tanto,
que deixara de ser Santo,
e o nome lhe não sujara.
Este pois por exaltar-se
veio reger a Bahia:
que bom governo faria,
quem não sabe governar-se!
se ele quisera enforcar-se
pelos que enforcar fazia,
que bom dia nos daria!
mas ele tão mal se salva,
que quando dava a mão alva
então tomava o bom dia.
O Ministro há de ser são,
justo, e não desobrigado,
há de ter ódio ao pecado,
e ao pecador compaixão:
que se tem má propensão,
faz justiça, mas com vício,
e se maior malefício
tem, e pode condenar-me,
livre-me Deus de julgar-me
oficial do meu ofício.
Que, porque furto, o que coma,
me enforquem, pode passar,
mas que me mande enforcar
a bengala de um Sodoma!
quem sofrerá, que Mafoma
me queime por mau cristão,
vendo, que Mafoma é cão,
velhaco, e de suja alparca,
e o mais torpe heresiarca,
que houve entre os filhos de Adão.
Quem na terra sofreria,
que o fedor de um ataúde
com bioco de virtude
disfarçasse a Sodomia?
e de feito em cada dia
desse ao povo um enforcado,
e que de puro malvado
desse esse dia um banquete,
e alegrasse o seu bofete
com bom vinho, e bom bocado?
O bem, que os mais bens encerra,
e as glórias todas contém,
é reinar, quem reina bem,
pois figura a Deus na terra:
eu cuido, que o mundo erra
nesta alta reputação,
que se o Rei erra uma ação,
paga a seu alto atributo
um tristíssimo tributo,
e misérrima pensão.
O Príncipe soberano
bom cristão temente a Deus,
se o não socorrem aos céus,
pensões paga ao ser humano:
está sujeito ao tirano,
que adulando ambicioso
é áspide venenoso,
que achacando-lhe os sentidos,
turbado o deixa de ouvidos,
de olhos o deixa ludoso.
Se fosse El-Rei informado,
de quem o Tucano era,
nunca à Bahia viera
governar um povo honrado:
mas foi El-Rei enganado,
e eu com o povo o paguei,
que é já costume, e já lei
dos reinos sem intervalo,
que pague o triste vassalo
os desacertos de um Rei.
Pagamos, que um figurilha
corcova de canastrão
com nariz de rebecão
em cara de bandurrilha,
descompusesse a quadrilha
dos homens mais bem nascidos,
e que dos mal procedidos
tal estimação fizesse,
que honras, e postos lhes desse
por lhe encherem os ouvidos.
Pagamos ver esta Hiena,
que com a voz nos engana,
pois fala como putana,
e como fera condena:
que uma terra tão amena,
tão fértil, e fão fecunda
a tornasse tão imunda
falta de saúde, e pão;
mas foi força, que tal mão peste,
e fome nos infunda.
Pagamos que um homem bronco
racional como um calhau,
mamaluco em quarto grau,
e maligno desde o tronco:
apenas se dá um ronco,
em briga apenas se fala,
quando os sargentos a escala
prendem com descortesia
aos honrados na enxovia,
todo o patifão na sala.
Pagamos, que um Sodomita,
porque o seu vício dissesse,
todo o homem aborrecesse,
que com mulheres coabita:
e porque ninguém lhe quita
ser um vigário-geral
com pretexto paternal,
aos filhos, e aos criados
tenha sempre aferrolhados
para o pecado mortal.
Pagamos, que o tal jumento
isento de mãos guadunhas
não furtasse pelas unhas,
senão por consentimento:
e que os quatro vezes cento,
que se vieram trazer
ao seu capitão mulher,
porque o pão suba mais dez,
não foi furto, que ele fez,
mas deu jeito a se fazer.
Pagamos ver o Prelado,
que se peca, é de prudente,
dos serventes de um agente
descortesmente ultrajado:
o sobrinho amortalhado
com tão fidalgos brasões
pela Puta dos calções,
que fiado em ser valido
fez do sangue esclarecido
tão lastimosos borrões.
Pagamos com dor interna,
que nos passos da Paixão
tão devoto é da prisão,
que quer levar a lenterna:
se entende, que a glória eterna
prendendo há de merecer,
fora melhor entender,
que o céu lhe dá mais ganhado,
não dormir-se co criado,
que desvelar-se em prender.
Pagamos vê-lo esperar,
e estar com expectativas
de ser Conde das Maldivas
por serviços de enforcar:
e como mandou tirar
um rol dos quatro maraus,
que enforcou por vaganaus,
cuidei (assim Deus me valha)
que entre os Condes da baralha
fosse ele o Conde de paus.
Porém Sua Majestade,
Qual Príncipe Soberano,
que não se indigna de humano
sem dano da dignidade:
conhecida esta verdade,
que é verdade conhecida,
fará justiça cumprida,
para que se lhe agradeça,
que o mau na própria cabeça
traga a justiça aprendida.
E porque nós de antemão
a seus favores mostremos,
quanto lhos agradecemos,
lhe agradecemos D. João:
era justo, era razão,
conforme o direito e lei,
quando o Rei dá Juiz a Grei,
outro em seu lugar dispor,
que seja o Governador
tão fidalgo como El-Rei.
Estas as novas são de Antônio Luí=
No que passa sobre um gato de algá=,
Que algália tira com colher de Itá= .
que coze e corcoja em fonte Rabi= .
Se lhe escalda ou não a serventi=
Isto tem já provado o mesmo ga=
Porque passando os rios de cuá=
O caso tocou logo a Inquisi=
Há cousa mais tremenda e mais atró=,
Que em terra, onde há tanta fartu=,
E haja que por um cu enjeite um có= ?
E que por mau gosto seja um pu= ?
Eu me benzo, e arrenego do demô=
E do pecado, que é contra a natu= .
Que aguarde Luís Ferreira de Norô=
Tão grande pespegar pelo besbê=!
Para o Puto, que aguarda tal pespê=,
E faz servir seu cu de cocó= .
Subverteu-se a cidade de Sodô=
Pelo muito, que andou de caranguê=:
A Palácio também cteio, sucé=
O mesmo, que à cidade de Gomô=.
Que desse em pescador Antônio Luí= ?
Nefando gosto tem o seu cará=,
Em não querer topar ponta de cri= .
Pois tanto se narnora do pescá=,
A cuama se vá pescar lombri=,
E em castigo de Deus morra queimá=.
No beco do cagalhão,
no de espera-me rapaz,
no de cata que farás
e em quebra-cus o acharam,
que tirando ao come-em-vão
que era esperador de cus,
lhe arrebentou o arcabuz
no beco de lava-rabos,
onde lhe cantam diabos
três ofícios de catruz.
Tomem pois exemplo aqui
o Tucano e o Ferreira,
pois lhos diz esta caveira,
aprended, flores, de mi:
mais aqui, ou mais ali
sempre os demônios são artos
sempre bichos, e lagartos,
e dar-lhe-ão sobre beijus,
a comer sempre cuscuz,
a ver se se dão por fartos.
Quem aguarda a luxúria do Tucano
Também pode esperar a do Lagarto,
Se acaso conceber, verá no parto
A substância que leva do tutano.
Estes, que se debreiam mano a mano,
Disciplinar-se-ão de quarto em quarto,
E o que de mais sustância estiver farto,
A via busque, que o negócio é cano.
Conheça a Inquisição estas verdades,
E como é certo, o que o soneto diz,
Paguem-se em vivo fogo estas maldades,
Ardendo morram já como Solis,
E como arderam já duas cidades,
Ardam Luís Ferreira, e Antônio Luís.
pois todo Alentejo andou
não me dirá, quanto achou,
que vai de Beja a Ferreira:
porque outra velha embusteira,
com profia, e com inveja,
não quer que uma légua seja,
e por palmos de cará
diz, que só um palmo achará
quem sai a mijar de Beja.
Isto a velha quer, que seja,
e do seu querer colijo,
que vai a beber do mijo,
quem sai a mijar de Beja:
porém quem saber deseja
a conclusão verdadeira,
deste caminho, ou carreira,
pelos passos do pismão
quer saber, que passos vão
por fora da Vidigueira.
Porque parvoíce fora
não ver entre boca, e centro,
que uma cousa é mijar dentro
outra cousa andar por fora:
e assim vós, minha Senhora
velha, que nesta carreira
já sois useira, e vezeira
desmenti da velha a inveja,
pois diz, que quem sai de Beja,
dá co piçalho em Ferreira.
Sal, cal, e alho
caiam no teu maldito caralho. Amém.
O fogo de Sodoma e de Gomorra
em cinza te reduzam essa porra. Amém
Tudo em fogo arda,
Tu, e teus filhos, e o Capitão da Guarda.
Desta vez acabo a obra,
porque é este o quarto
tomo das ações de um Sodomita,
dos progressos de um fanchono.
Esta é a dedicatória,
e bem que preverto o modo,
a ordem preposterando
dos prólogos, os prológios.
Não vai esta na dianteira,
antes no traseiro a ponho,
por ser traseiro o Senhor,
a quem dedico os meus tomos.
A vós, meu Antônio Luís,
a vós, meu Nausau ausônio,
assinalado do naso
pela natura do rosto:
A vós, merda dos fidalgos,
a vós, escória dos Godos,
Filho do Espírito Santo,
E bisneto de um caboclo:
A vós, fanchono beato,
Sodomita com bioco,
e finíssimo rabi
sem nascerdes cristão-novo:
A vós, cabra dos colchões,
que estoqueando-lhe os lombos,
sois fisgador de lombrigas
nas alagoas do olho:
A vós, vaca sempiterna
cosida, assada, e de molho,
Boi sempre, Galinha nunca
in secula seculorum:
A vós, ó perfumador
do vosso pagem cheiroso,
para vós algália sempre,
para vós sempre mondongo:
A vós, ó enforcador,
e por testemunhas tomo
os Irmãos da Santa Casa,
que lhes carregam os ossos:
Pois no dia dos Finados,
quando desenterram mortos
também murmuram de vós
pela grã carga dos ombros:
A vós, ilustre Tucano,
mal direito, e bem giboso,
pernas de rolo de pau,
antes de o levar ao torno:
A vós: basta tanto vós,
porque este insensato Povo
vendo, que por vós vos trato,
cuidará, que sois meu moço:
A vós dedico, e consagro
os meus volumes, e tomos,
defendei-os, se quiserdes,
e se não, vai nisso pouco.
Agora saio eu a campo
por vós, meu Antônio Luís,
que já fede tanto verso,
e enfada tanto pasquim!
Que vos quer esta canalha
tropel de vilões ruins,
tanto Poeta sendeiro,
tanto trovador rocim?
Se fizestes mau governo,
que é certo, que foi ruim,
eles, que o façam pior,
que eu lhe dou das quatro mil.
Entorcastes muita gente?
mente, quem tal coisa diz:
Gabriel os enforcava,
que eu com estes olhos vi.
É verdade, que gostáveis
vós muito de vê-los ir,
sois amigo de enforcados,
ter-lhes ódio, isso fora ruim.
Cada qual gosta, o que gosta,
uns carneiro outros perdiz,
vós um quarto de enforcado,
e eu de um quarto do pernil.
Em gostos não há disputa
dai ao demo o povo vil,
que até nos gostos se mete
a ser dos gostos juiz.
O querer não tem razão,
que a vontade é mui sutil,
e assim por onde quer entra,
e talvez não quer sair.
Cada um quer, o que quer,
não há nisto, que arguir,
fez Deus as vontades livres,
prendê-las é frenesi.
Sois amigo de enforcados,
quem vo-lo pode impedir?
oxalá fôreis amigo
levar o mesmo fim.
Ora vamos a farinha,
foi pouca, cara, e ruim:
mas vós não sois sol, nem chuva,
para haver de a produzir.
Eu confesso, que houve fome,
governando vós aqui,
sois mofino, e por contágio
ficou mofino o Brasil.
Ser mofino não é culpa,
a fortuna o quer assim:
quem é mofino consigo,
cos mais há de ser feliz?
Não vos mandou governar
El-Rei farinhas aqui,
as carnes, nem os pescados,
porém a forca isso sim.
Valha o diabo a vossa alma
cabelos de colomim,
mandou-vos El-Rei acaso
desgovernar os quadris?
Mandou-vos acaso El-Rei
com as fêmeas não dormir,
senão com vosso criado,
que é bomba dos vossos rins?
No mais vos levanta falsos
todo este povo civil,
mas isto do vosso corpo
vo-lo levanta o Luís.
Mandou-vos El-Rei acaso
a Sodoma, ou ao Brasil?
Se não viveis em Judá,
quem vos meteu a Rabi?
Mandou-vos El-Rei que fosse
vosso pajem meretriz,
madrasta de vossos filhos,
como dizem por aí?
Ora ide-vos co diabo,
que ja não quero acudir
por um Tucano, um Fanchono,
um Sodoma, um vilão ruim.
Bangüê, que será de ti
em vindo o Governador,
que manda El-Rei meu Senhor
para te botar daqui?
que será de ti, maldi-
to, que assaz a ti te toca
por neto de curiboca
e porque este teu pepino
no que é vaso feminino
jamais toca, nem emboca.
Que será de ti, Bangüê,
quando o sucessor vier,
que hás de perder a mulher,
que é fêmea de cutilque?
e se teu criado é,
que o podes também levar,
não te há de sofrer o mar,
nem suas ondas sagradas,
antes por essas porradas
a porra te há de salgar.
Vá de retrato
por consoantes,
que e eu sou Timantes
de um nariz de tucano
começo a obra,
que o tempo sobra
para pintar a giba
o pêlo untado,
que de molhado
parece, que sai sempre
dos olhos baios,
que versos raios
nunca foram, senão
da sobrancelha
se me assemelha
a uma negra vassoura
com tal sacada,
que entra na escada
duas horas primeiro
longe do rosto,
pois na Sé posto
na Praça manda pôr
a guarda em ala.
Membro de olfatos,
mas tão quadrado,
que um Rei coroado
o pode ter por copa
é o tal nariz,
que por um triz
não ficou cantareira
nariz nefando,
que eu vou cortando,
e inda fica nariz,
no naso oiteiro,
tem o sendeiro,
o que boca nasceu, e é
membro do gosto
está composto
o órgão mais sutil
mas eu que intento,
se não sou vento
para poder trepar
que no horizonte
deste alto monte
foi tentar o diabo
por falar fresco
dorso burlesco,
no qual fabricaverunt
se é homem, ou fera,
se assentou, que era
um caracol, que traz
tanto se entona,
que já blasona,
que enjeitou ser canastra
quem lá subira,
para que vira,
se és Etna abrasador
sempre uma cousa,
pois onde pousa,
sempre o vêem de bastão
na bruta cinta
uma cruz pinta
a espada o pau da cruz,
para a dianteira,
que na traseira
o cu vejo açoutado
outro fracasso,
porque em tal caso
só se açouta, quem canta
que eu vi vergões?;
serão chupões,
que o bruxo do Ferreira
sigam-se embora,
porque eu por ora
não me quero embarcar
nos meus miolos
que são dous rolos
de tabaco já podre,
a mor grandeza,
por cuja empresa
tomaram tantos pés
suja figura,
na arquitetura
da popa de Nau nova
senhor Tucano,
que para o ano
vos espera a Bahia
Quando Deus redimiu da tirania
da mão do Faraó endurecido
o Povo Hebreu amado, e esclarecido.
Páscoa ficou de redenção o dia.
Páscoa de flores, dia de alegria
Àquele Povo foi tão afligido
O dia, em que por Deus foi redimido;
Ergo sois vós, Senhor, Deus da Bahia.
Pois mandado pela alta Majestade
Nos remiu de tão triste cativeiro,
Nos livrou de tão vil calamidade.
Quem pode ser senão um verdadeiro Deus,
que veio estirpar desta cidade
O Faraó do Povo Brasileiro.
Alto Príncipe, a quem a Parca bruta
Aos estragos negando-se de horrível,
Quando acredita assombro no inflexível,
Em rendimento a vossos pés tributa.
Tímida a vossa vista se reputa,
E o mostra nesta ação quase visível,
Onde em vós o pesar, sendo possível,
Reverente o rigor não executa.
Pouco faz a Bahia, se venera
Humilde, e grata a vossa presidência,
Se inda a morte convosco não é fera
Porque admirando em vós tanta excelência
Para dar-vos um golpe, astuta espera
(Por temer-vos, Senhor) a vossa ausência.
Vindes da Mina, e só trazeis a fama,
De que vosso valor fez alta empresa,
Que não consiste a glória na riqueza
No seu desprezo sim, que honra se chama.
O vosso zelo, que ambição se inflama,
Do serviço fiel de Sua Alteza
Lhe deu prudente aquela Fortaleza,
Que é padrão imortal, que vos aclama.
Quanto co'a espada, e co juízo obrastes,
Quanto na África, e Europa merecestes,
São ações, que convosco competistes.
Não vos queixeis do pouco, que alcançastes,
Pois na glória, em que a todos excedestes,
Dificultais o prêmio, ao que servistes.
Hoje é melhor ter mina, que ter fama,
Que no tesouro se acha a nobre empresa,
Porque onde se idolatra só riqueza,
A glória dos progressos nada clama.
Ambicioso e avarento mais se inflama
Pertendendo subir a nova alteza,
E fragando nos bens a fortaleza,
Quer estragar a honra, que se aclama.
Mas vós, que a acreditar-me tanto obrastes,
Fiado, no que, é certo, merecestes,
Em mérito, a que sempre competistes:
A mim me dais a glória, que alcançastes,
Que como vós em tudo me excedestes,
Té para me abonar hoje servistes.
Nos assuntos, que dais à vossa fama,
Têm as invejas mais ardente empresa,
Pois se a glória do nome é mor grandeza,
No vosso acende mais ativa a chama
A emulação, que sempre assim se inflama,
O seu incêndio exala à suma alteza,
Mas esse incêndio em rara fortaleza
Salamandra vos faz, Fênix aclama.
Quanto nas armas valeroso obrastes,
Nas invejas prudente merecestes,
Triunfando sempre nunca competistes.
Mas outra maior glória inda alcançastes;
Não há Musa, que conte, o que excedestes,
Nem grandeza, que pague, o que servistes.
Oitavas canto agora por preceito,
Sem que na oitava possa diligente
Louvar as excelências de um sujeito,
Que pode ser em tudo o melhor Lente:
Mas como em mim não pode ser perfeito
O canto, ficará menos cadente
A música de Apolo, e de Talia,
Que não há cantar bem sem melodia.
Se do tempo perfeito o meu compasso
A compasso cantara neste canto,
Não faltara à garganta agora o passo,
E em passos de garganta fora espanto:
Porém se em canto nunca da mão passo
Como posso afinar no canto tanto,
Que me atreva a cantar vossa ciência,
Sem que falte ao compasso na cadência.
Canora a voz tomara, e tão suave,
Que em passos largos, e ecos repetidos
Sonora requintasse aquela clave,
Em que fossem meus ecos esparcidos:
Porém se o vosso nome o canto grave
Eleva suspendendo os mais sentidos,
Com a voz, que formar o meu alento
Chegar posso tarnbém ao Firmamento.
Discutindo esse globo de ciências
No mapa desta esfera Americana,
Acho um todo formado de excelências
Maravilha fatal em forma humana:
De modo se une, e formam as essências
Que o natural as graças vos germana:
Mas que muito se vós no largo mundo
Sois da graça, e ciências tão fecundo.
Se emulações tiraram Luzimentos,
Que soube a natureza vincular-vos,
Apolo não perdera os pensamentos,
Temendo-se na empresa de louvar-vos:
Suspende a admiração os vãos intentos
Ao discurso, que emprende realçar-vos,
Que a Musa enfraquecida, a pena leve
Nunca diz, o que sente, no que escreve.
Deixem-se os Gregos já do seu Eliano,
Condenam a silêncio um Xenofonte,
Não louve Alexandria Herodiano,
Que na Bahia tem Timocreonte:
O qual pode ensinar Quintiliano,
Camões, Terêncio, Ênio, Anacreonte,
Platões, Anaximandros, e Musés,
Acusilaus, Priscianos, e a Timéus.
Nos anos climatéricos glorioso
Vosso nome será tão dilatado,
Que suba, onde o decrépito invejoso
O veja nas estrelas colocado:
Sereis novo Planeta luminoso,
E Sol em nova esfera sublimado,
Que, a quem o mundo singular aclama,
Só descansa no céu com ele a fama.
Separar vossas partes, e Louvores
Absurdo fora certo, e averiguado,
Que à grandeza dos orbes superiores
Ninguém pode pôr termo limitado:
Receba o infinito por maiores,
Quem foi por singular ao mundo dado,
Com que as partes publica deste modo,
Quem de todo admirado admira o todo.
Cesse pois em louvar-vos minha pena,
Que impossível será, que sem engano
Presuma, que fazendo esta novena
Vos possa ponderar em todo um ano:
Este novo, e felice, que hoje ordena
O Céu, lograi, Senhor, sem tanto dano,
Porque sejam em vós os mais gloriosos
Aqueles, que vos faltam de invejosos.
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Última atualização em 02/02/99