IX

 

Um crime, revestido das circunstâncias misteriosas e da atrocidade

de que se revestiu o assassinato de Marramaque, faz sempre trabalhar todas

as imaginações de uma cidade. Um homicídio banal em que se conheceu a

causa, o autor, capturado ou não, e outros pormenores, deixa de oferecer

interesse, para ser um acontecimento banal da vida urbana, fatal a ela,

como os nascimentos, os desastres e os enterros; mas o assassinato de um

pobre velho, aleijado, inofensivo, pobre, a pauladas, faz parecer a toda a

gente que há, soltos e esbarrando conosco nas ruas, nas praças, nos bon-

des, nas lojas, nos trens, matadores, que só o são por prazer de matar, sem

nenhum interesse e sem nenhuma causa. Então, todos acrescentam, aos inú-

meros e insidiosos inimigos que tem a nossa vida, mais este do assassínio

por divertimento, por passatempo, por esporte.

Um ou muitos, seja em que número forem, é sempre uma ameaça

que paira sobre cada um de nós, zombando da mais ostensiva pobreza e

não tendo em consideração a pacatez mais pusilânime.

Marramaque não era rico nem andava com jóias, sendo certo que

não podia trazer consigo muito dinheiro. O móvel do crime, portanto, não

seria o roubo. Ao contrário, o exame minucioso nos bolsos das vestes, com

que fora encontrado o seu cadáver, não denunciou nenhuma tentativa de

saque. O pouco dinheiro que tinha -- três mil e tanto -- estava intacto;

uma carteira, encontrada numa das algibeiras interiores do dólmã, conti-

nha unicamente papéis. Quando foi assassinado, vestia a farda de contínuo:

dólmã azul-marinho e calças da mesma cor. Tinha, por baixo do dólmã,

um comum colete preto, onde trazia um relógio de prata, preso numa

antiga corrente de ouro, feita de diversos trancelins de ouro, reunidos por

rgolas também desse metal, com um remate, em forma de estribo, cujo

pedal era uma pedra negra. Pois bem: nem mesmo esta peça, de algum

valor, foi-lhe roubada. Posta de lado a hipótese de roubo, qual poderia ter

sido o móvel do crime? Amores, conquistas? O estado de saúde, a sua

semi-invalidez logo afastavam tal hipótese. Política, questões de família

-- nada disso explicava o crime. Só na perversidade, na vontade de matar,

por parte de alguém extremamente mau e sedento de sangue, encontrar-se-

ia a causa. Seria isso? -- perguntavam todos.

A noticia do crime logo se espalhou pelo subúrbio inteiro, apesar

de ser domingo o dia em que foi descoberto. A deformidade de Marrama-

que fazia-o notado e conhecido, de forma que, por toda a parte, se comen-

tava o assassínio. A polícia tomou as providências de hábito; mas só ini-

ciou as pesquisas no dia seguinte. Todos que estiveram na venda foram

ouvidos; mas pouco, nada adiantaram. Nem o podiam fazer. Marramaque,

em lá chegando, a chuva tinha cessado. Era sábado, e todos os habitués

do armazém do "Seu" Nascimento lá estavam, inclusive Meneses, que se

mostrava palrador e prazenteiro. Discutia-se despreocupadamente, e até

Meneses causou grande hilaridade, quando explicou a sua teoria transcen-

dente sobre o "ovo de Colombo". No correr da discussão, alguém dissera:

-- Isto é ovo de Colombo,

Parece que foi Marramaque a dizer, e Alípio aproveitou o ensejo,

para perguntar:

-- Que diabo quer dizer esta história de "ovo de Colombo", na

qual todo o mundo fala e não sei o que é?

Entre os circunstantes estava o Senhor Monção, caixeiro-vendedor

da grande casa de cereais Belmiro, Bernardes & Cia., que tinha suas luzes

e gostava de palestrar, para descansar da afanosa lida de estar a "tocar rea-

lejo" aos varejistas, oferecendo-lhes feijão, arroz, milho, e por bom preço.

Era um moço português, simpático, de bom porte e bem-educado.

Tinha grande liberdade na roda e não houve nenhum espanto quando inter-

veio:

-- Pois não sabes, Alípio, o que é o "ovo de Colombo"?

-- Não, "Seu" Mindela.

-- É simples, No meio dos sábios espanhóis, depois da primeira via-

gem à América, Colombo, vendo o seu trabalho criticado e tido como fácil

pelos sabichões de Castela, desafiou-os a pôr um ovo em pé.

-- Eles puseram? -- perguntou Alípio,

Meneses apressou-se:

-- Não puseram; mas Colombo pôs.

-- Como? -- indagou Alípio.

Meneses explicou, tomando a palavra de Mindela, com todo o seu

açodamento de sábio:

-- Colombo, dando um movimento de rotação conveniente e um de

translação adequado, dissolveu a gema do centro do ovo, para a base, tra-

zendo, para a parte inferior do ovo, o centro de gravidade, de forma que

o pôde pôr em pé.

Todos se entreolharam e viram o absurdo da explicação de Meneses.

Ninguém se animava a contestar, mas Marramaque, tomando a dianteira

de Mindela, que ia falar, saltou logo, em tom de gracejo:

-- Qual, "Seu" Meneses! Esta história de translação, de rotação,

de centro de gravidade, é bobagem; o que...

-- Bobagem, Marramaque? Isto é mecânica transcendente, como é

a questão do gato cair sempre sobre as patas, atirado que seja, do alto

para baixo, em qualquer posição.

Marramaque foi-lhe ao encontro, sem pestanejar:

-- Nós não temos nada com gato. Ovo se parece tanto com gato

como um espeto. Bolas, "Seu" Meneses!

Todos os circunstantes riram-se a mais não poder; Meneses pôs-se a

cofiar a longa e abundante barba branca, lamentando-se da sua derrota

em mecânica e tudo. De repente, cobrou coragem e desafiou o contínuo:

-- Quero ver, Marramaque, como é que você explica ter Colombo

posto o ovo em pé?

-- Muito simplesmente, Meneses. Vou contar a história como a li:

"Num banquete, procuravam os nobres de Espanha rebaixar o mérito da

descoberta de Colombo, e dizia um: 'As Índias já lá estavam e, se o senhor

não as descobrisse, qualquer um outro as descobriria'. Colombo, sem res-

ponder, pediu um ovo; trouxeram-lhe e ele desafiou a que alguém o pusesse

de pé, 'Impossível!' -- bradaram. Então, o navegador tomou o ovo, bateu

com ele, quebrando ligeiramente a mais rombuda das extremidades, e fê-

lo ficar de pé. 'Ora, isto também eu faria!...' -- replicaram. 'Sim, depois

que me viram fazer. É simples, mas é preciso pensar no caso, e achar o

meio"'. Está ai como foi a coisa. Não tem nada de gravidade, nem de rota-

ção, nem de translação, nem de constelação, nem de repulsão -- nada tem

em "ão", Meneses!

De novo a gargalhada foi geral e prolongada; e Meneses, muito enca-

fifado, limitou-se a dizer:

-- Isto não é científico; é uma explicação jocosa de anedota de alma-

naque. Podia demonstrar a minha interpretação com o auxílio do cálculo,

mas não é conveniente aqui... fica para outra ocasião.

Assim, sem outra preocupação, naquela tarde tempestuosa, conversa-

ram na venda, enquanto Marramaque estivera e mesmo depois da sua saída.

É óbvio que nenhuma das pessoas que lá estavam poderia adivinhar o que

lhe ia acontecer pelo caminho. Chuviscava teimosamente, mas não havia

o que se chama de chuva torrencial, quando o pobre continuo se despediu.

É verdade que a noite estava pavorosa de escuridão, e ameaçadoras nuvens

pairavam baixo, ainda mais carregando de treva a atmosfera e ofuscando

os lampiões, cuja luz oscilava sob o açoite de um vento constante e cor-

tante. Não se via, como é costume dizer-se, um palmo diante do nariz. À

polícia, pareceu que aquele misterioso assassínio, sem causa presumível,

nascera de um segredo que só ele, Marramaque, podia revelar e, talvez,

os seus papéis íntimos o revelassem. Resolveram, então, as autoridades per-

quiri-los, à cata de uma pista.

Morava Marramaque com uma tia materna, pouco mais moça que

ele, tendo dois filhos homens, de doze e dez anos. Após ter enviuvado na

roça, com alguma coisa, tomou o alvitre de comprar aquela casa e convi-

dar o sobrinho, para lhe fazer companhia e encaminhar a educação e a ins-

trução dos filhos, e ajudá-la também,

A sua casa era inteiramente o contrário da de Meneses. Estava sem-

pre limpa, móveis em ordem, completamente cercada, o jardinzinho da

frente bem tratado. Helena, a tia de Marramaque, era muito metódica e

econômica, de forma que a vida doméstica do sobrinho era regular e pláci-

da. Ela costurava para os arsenais do governo e, com o que Marramaque

lhe dava dos seus exíguos vencimentos, a vida deles corria sem contratem-

pos. Não eram difíceis as suas comunicações com as estações da Central,

quando feitas pelo bonde de Inhaúma, que passava na esquina; e, se o con-

tinuo, na noite fatídica do assassínio, tomava aqueles atalhos e subidas,

sempre que passava pela venda do Nascimento ou ia à casa do Joaquim,

procurava aquele caminho mais curto. Helena vivia para os filhos; raras

vezes, a não ser para regularizar as suas costuras, saia, indo uma ou outra

vez à casa do carteiro, onde se aborrecia com o gênio taciturno de Engrá-

cia. Foi ela quem assistiu desenterrar, do fundo de baús e gavetas, as recor-

dações do seu pobre sobrinho.

As autoridades policiais pediram delicadamente autorização; e o dele-

gado em pessoa foi examinar os papéis do infeliz contínuo. Não encontrou

coisa de valia. Havia no seu arquivo cartas de família, bilhetes de amigos,

rascunhos de versos, entre os quais um de Raul Braga, de quem Marrama-

que fora amigo, e o célebre caderno sobre Cassi, que o delegado tinha tam-

bém um exemplar. A não ser esses papéis sem importância, encontraram

um caderno de versos, pronto a ir para o prelo, de autoria de Marramaque,

intitulado -- Boninas e Sensitivas -- versos ingênuos de um homem bom

e honesto que não é poeta. Deram também com um retrato de mulher feita,

numa pose popular, com o braço esquerdo descansando sobre uma coluna

e tendo um leque enorme, pendente do direito, caindo ao longo do corpo.

Era uma mulher bonita, de trinta anos, sadia e forte. Nas costas havia esta

dedicatória: "Ao meu Antônio, a Eponina. 25-12-92". Mais abaixo, com

letra de Marramaque, existiam estas observações: "Amor tudo vence; não

pode vencer as obrigações de lealdade que devem sempre existir nas amiza-

des perfeitas. Adeus!"

Quem seria? Os policiais indagaram; mas Dona Helena não lhes

pôde explicar. Naquela data, ela nem casada era ainda; seu sobrinho já

tinha vindo para o Rio. Quem seria?

Enfim, nada encontraram, e o crime foi sendo esquecido. Só duas pes-

soas podiam pôr as autoridades na pista verdadeira; eram Clara e Meneses.

Clara, logo que soube do assassínio do padrinho, ficou fora de si.

Lembrou-se das ameaças veladas que Cassi fazia ao padrinho, nas cartas

que lhe escrevia; lembrou-se também da carta em que ela narrava ao namo-

rado a atitude de Marramaque, quando o pai falou ao compadre na neces-

sidade de ter um franco entendimento com o violeiro. Por aí e por outras

pequenas circunstâncias, atribuía a Cassi o assassinato do padrinho e como

que se julgava também sua cúmplice. Veio-lhe um medo daquele cantador

meloso, dengoso, apesar de seu mau olhar de folhas-de-flandres; e, num

relâmpago, viu bem quanto de fingido e falso podiam conter as suas cartas

ternas e cheias de protestos de boas intenções e de amor sincero e honesto.

Imediatamente, porém, explicou esse seu ato de desvario criminoso

como um esporádico ato de loucura, provocado pelo amor que tinha a ela.

Era um obstáculo e.. Agradava-lhe a interpretação. Não tardariam, entre-

tanto, a se explicar de viva voz, porque ela havia consentido afinal em con-

versar com ele na grade de casa, depois que seus pais se recolhessem. Então,

nessa ocasião, ela avaliaria o grau de certeza de suas suspeitas. Meneses

tinha levado uma carta dela nesse sentido; mas, tendo ficado atrapalhada

por sentir a aproximação da mãe, não pôde, Clara, fechar a missiva conve-

nientemente. Aberta, a moça, para não ser pilhada, passou-a precipitada-

mente ao velho, que assim a guardou jubilosamente. Quando se lhe ofere-

ceu momento azado, leu-a.

Como toda a mulher sem instrução, Clara pegou na pena e não tinha

vontade de a largar. Contava detalhes, repisava juras e pedia juramentos.

Um destes era o de que ele a respeitaria sempre; e, se não fizesse isso, rom-

peria as relações com ele. Estava disposta a esperá-lo, às dez horas, na

grade, daí a oito dias, e isso o fazia, porque "Seu" Meneses tinha dado o

serviço dos dentes por terminado.

De fato, Meneses, aborrecido com aquele negócio de cartas e com o

desdém com que Cassi o tratava, ademais da ignóbil farsa que se prestava,

resolveu dar por findo o trabalho. A leitura da carta não lhe causou nenhuma

estranheza; ele já esperava por este fim. Estava forrado de uma indiferença

de vencido. Sentiu-se de mãos e pés atados, para ter qualquer movimento

de censura ou de conselho. É que ainda não lhe tinha chegado aos ouvidos

a notícia do bárbaro assassínio de Marramaque. Quando, porém, veio a

saber, teve uma forte vergonha do seu procedimento, da sua covardia. Com-

preendeu que aquelas meias-palavras de Cassi sobre Marramaque, aquele

ríctus horrendo que vira certa vez, ao se falar do contínuo, lhe desfigurar

a face, eram os pródromos do assassínio do bondoso velho que o violeiro

premeditava. O infeliz Meneses passou o dia todo e a noite inteira voltado

para dentro de si mesmo. Não sabia mais chorar, mas o seu remorso era

intenso. Ele se julgava também cúmplice daquele desalmado. Por que calara

o que sabia? Por que se acovardara a ponto de servir de medianeiro? Oh!

Ele não era mais homem, não tinha mais dignidade!

Cassi, entretanto, não demonstrou o menor abalo. Leu as notícias

dos jornais, as objurgatórias contra os assassinos de que estavam cheios;

ouviu as maldições de todos, nos cafés, nos bondes, em todas as conversas

e por toda a parte; mas nenhum arrependimento sentia. Só lhe faltava o

orgulho íntimo de ter efetuado tão rara proeza, para ser completa a sua

inumanidade e o seu abjeto sossego íntimo. Não tinha orgulho, mas havia

nele como que alívio de se ver livre daquela espécie de duende, de fantasma,

que vivia a persegui-lo.

Com Arnaldo, já não acontecia o mesmo. Passado o fato, com a lei-

tura dos jornais, com as censuras amargas que via em todas as bocas, até

nas daqueles afeitos ao crime, o sócio de Cassi, se não viu remorsos, come-

çou a ter susto. Não pôde reprimir o impulso que o levou a ver o cadáver.

Estavam os restos de Marramaque quase tal e qual como foram encontra-

dos. Os médicos ainda não haviam praticado a autópsia. A cabeça partida,

os olhos fora das órbitas, todo o rosto coberto de uma lama sangrenta, o

braço semiparalítico, partido, as roupas, ensopadas de lama e sangue... Era

horrível! No necrotério, acotovelava-se uma multidão, e todos, em voz baixa,

cobriam de baldões, de injúrias, de pragas, os malvados que tinham levado

a efeito tão estranho e inconcebível crime... Um crioulo, muito negro, forte,

com grandes "peitorais" salientes, dizia bem alto do lado de fora:

-- Eu não sou santo... Já fiz das minhas... Conheço a "chac'ra";

mas Deus me castigue, me ponha um raio em cima, e faça apodrecer em

vida, se eu fosse capaz de fazer tão porco "trabalho"... Os que o fizeram,

nem esfolados vivos pagariam... Para que mataram esse pobre velho?

Arnaldo voltou do depósito fúnebre apreensivo. Não havia nele, a bem

dizer, arrependimento. O que ele sentia era medo de ser descoberto, de pegar

cadeia trinta anos a fio, porque não podia ser mais. Chegou aos subúrbios

apavorado; e, quando topou com Cassi, disse, com olhar desvairado:

-- Chi, Cassi! O "homem" estava horrível...

O violeiro virou-se para ele, olhou-o firme com seu olhar fosco e

falou-lhe com energia e fogo nos olhos:

-- Cala-te, miserável! Queres pôr tudo a perder...

Conquanto temesse as fúrias do seu companheiro e cúmplice, não

lhe passava o terror de ser descoberto pela polícia. Deu em beber; Cassi

vigiava-o com medo que ele "desse com a língua nos dentes". Não o dei-

xava só, quando estava em "rodas".

Nos botequins, não entrava um freguês, que Arnaldo não examinasse

meticulosamente, cautelosamente, com o rabo dos olhos. Às vezes, não se

continha e apontava:

-- Cassi, aquele é agente do décimo oitavo...

O modinheiro, em voz baixa, mas com autoridade, repreendia-o:

-- Estás doido! Queres nos pôr no "x", pelo resto da vida.

No começo, Cassi teve medo que a embriaguez o fizesse denunciá-los;

mas, bem cedo, percebeu que a sua bebedeira tomava uma feição choramin-

gas, efusiva, dava para abraçar todos e, com voz de mágoa íntima, repetia

de onde em onde, sem nada entender do que se dizia ao redor: "Eu não sou

mau..." "Eu sou um bom rapaz..." "Nunca fiz mal a ninguém", etc.

Então, Zezé Mateus, também já muito bêbedo, derreado completamente

na cadeira, com os olhos divergentes e vidrados, babando-se todo e gaguejando,

retrucava: "Meu querido Arn... ar... ar... Arnaldo, você é uma... pomba

sem... sem fel". Em seguida, depois de limpar a baba com o lenço: "Quem

foi que... que disse que... você é... é mau?" E acrescentava: "Traga... Traga

este su... su... sujeito aqui que... que eu parto a cara dele".

Arnaldo, por aí, levantava-se comovido e abraçava Zezé Mateus,

que se mantinha na cadeira, e, com dificuldade, erguia os braços, a fim

de cingir o camarada.

Repetiam daí a pouco a cena, com pequenas variantes, debaixo dos

motejos forçados de Cassi, a quem tais espetáculos não deixavam de fazer

mal. Os outros companheiros riam-se a bom rir, sem nada suspeitar.

Entretanto, o violeiro não se fiava muito que Arnaldo sempre proce-

desse assim. A embriaguez -- ele sabia -- é caprichosa, ora dá para isto,

ora dá para aquilo, podia aparecer qualquer coisa a respeito do crime e era

preciso que ele, Cassi, tomasse as suas precauções. A entrevista com Clara

estava marcada para o fim da semana. Tinha de ir; tinha que dar fim "na-

quilo", que tanto trabalho lhe dera e estava dando. Antes de tudo, porém,

era preciso estar preparado para o que desse e viesse. Não contava mais

com a proteção; Barcelos não valia nada e só prestava pequenos serviços

em vésperas de eleição. Quando elas estavam distantes, fiava com má cara

um cálice de cachaça... Era preciso ter tudo pronto para fugir do Rio de

Janeiro, ao primeiro sinal de alarme, tanto mais que sabia, por indiscri-

ções de Meneses, que as ouvira na venda do "Seu" Nascimento, que o

marido de Nair -- aquela moça que ele desencaminhara e a mãe, por isso,

se suicidara -- estava disposto a persegui-lo, como já o perseguia, com os

famosos cadernos, mas mais eficazmente, desde que se metesse em "algu-

ma". Considerou bem que as coisas agora seriam mais difíceis; e as pedras

que semeara no caminho, começavam a erguer-se para lapidá-lo.

Tomou a extrema resolução de vender os galos de briga. O dinheiro

que apurasse, depositaria na Caixa Econômica, para tê-lo sempre à mão,

quando fosse necessário fugir. A mãe, vendo carroças chegarem à porta e

as gaiolas e capoeiras saírem, a fim de tomarem lugar nos transportes, foi

indagar-lhe o que havia:

-- Nada, mamãe. Vou para fora, trabalhar...

-- Para onde, Cassi?

-- Vou para Mato Grosso, empregar-me na construção de uma estrada

de ferro.

-- Como trabalhador de picareta, meu filho?

-- Não, mamãe, vou ser chefe de turma e praticar nos instrumentos,

até conseguir ser seccionista.

Dona Salustiana assim mesmo não ficou contente. Ela conhecia a

ignorância do filho, a sua inferioridade mental e a sua incapacidade para

aplicar-se a alguma coisa que demandasse o menor esforço intelectual; viu

bem, portanto, que, numa construção de estrada de ferro, ele só podia ser

simples trabalhador braçal, pegar na foice e roçar, no machado e derrubar,

na picareta e cavar, mais nada! Voltou chorando para onde estavam as filhas:

-- Você não sabe, Catarina? Você não sabe, Irene, de uma coisa?

Ai! Meu Deus!

-- Que é, mamãe? -- perguntou Catarina.

-- Que há, mamãe? -- indagou Irene.

-- Minhas filhas, vocês não sabem que desgraça para a família, Cassi...

-- Que houve? -- assustou-se Catarina.

-- Cassi está doido e quer nos envergonhar a todos nós, o meu avô

que foi cônsul da Inglaterra... Ah! Se ele ressuscitasse -- que vexame não

passaria!

-- Que é que Cassi vai fazer? -- fez Irene com calma.

-- Vai ser trabalhador de enxada, numa estrada de ferro de Mato

Grosso.

Irene, que era severa e nunca perdoaria ao irmão as maliciosas per-

guntas que as colegas da escola lhe faziam, vexando-a bastante, quando

acontecia aparecer o nome dele nos jornais, nas suas habituais cavalarias

-- observou:

-- Que tem isso, mamãe! Ele tem saúde, ao invés de andar por ai a

fazer das suas, a nos envergonhar por toda a parte, é melhor que ele traba-

lhe para ver se toma caminho.

Dona Salustiana olhou espantada para a filha e disse cheia de mágoa:

-- É que você não é mãe; mas, em breve, você será, então...

Catarina obtemperou:

-- Mamãe, eu não acho motivo para lástima. O que é de todo repro-

vável, é que ele leve toda a vida a que está levando... O melhor é aventurar...

O pai veio a saber da resolução do filho, sobre quem não punha os

olhos, havia dois anos. Não conteve a sua alegria e exclamou:

-- Que se vá! Que vá para o diabo! Já é tempo!

Depois acrescentou:

-- Vocês vão ver que ele fez uma das suas; vai fugir e deixar-nos

vexados, senão atrapalhados. Seja tudo pelo amor de Deus! Que se vá e

nos deixe em paz.

Vendidos os galos, galinhas, frangos e pintos, apurou quinhentos

mil-réis, que se dispôs a depositar na Caixa Econômica, logo no dia seguinte

ao do recebimento.

Nesse dia, despertou cedo, banhou-se cuidadosamente, escolheu bem

a roupa branca, viu bem se a meia não estava furada, escovou o terno cin-

tado e cuidadosamente, meteu mão à obra de vestir-se com apuro, para

vir à "cidade". Raramente, vinha ao centro. Quando muito, descia até o

campo de Sant'Ana e daí não passava. Não gostava mesmo do centro.

Implicava com aqueles elegantes que se postavam nas esquinas e nas calça-

das. Achava-os ridículos, exibindo luxo de bengalas, anéis e pulseiras de

relógio. É verdade, pensava consigo, que ele usava tudo aquilo; mas era

com modéstia, não se exibia. Recordava que não tinha poses, mas, mesmo

que as tivesse, não se daria a tal ridículo... Essa sua filosofia sobre a ele-

gância, de elegante suburbano, ele aplicava às moças. Quanto dengue!

Para que aqueles passos estudados? Aqueles modos de dizer adeus?

Achava tudo ridículo, exagerado, copiado, mas não sabia bem de

que modelo. O que, de fato, sentia não era isso que expunha aos amigos

ou às belezas suburbanas que, porventura, reqüestasse. O que ele sentia

diante daquilo tudo, daquelas maneiras, daqueles ademanes, daquelas con-

versas que não entendia, era a sua ignorância, a sua grosseria nativa, a sua

falta de educação e de gosto. O seu ódio, então, ia forte para os poetas e

jornalistas, sobretudo, para estes. Não perdoava as descalçadeiras, os debo-

ches que lhe passavam, quando tinham de denunciar alguma das suas ignó-

beis proezas. Uns sujos! -- dizia -- ; uns malandros! -- continuava -- que

querem ditar moral. O seu primeiro ímpeto, quando lia notícias a seu res-

peito, era atirar-se contra um deles, naturalmente o que lhe parecesse mais

fraco; e desancá-lo de pancadas. Sustinha, porém, o ímpeto, porque sabia,

se tal fizesse, estaria perdido. A guerra seria sem tréguas, e "novos e

velhos" da sua interminável conta sairiam à luz. Secretamente, tinha um

respeito pela cidade, respeito de suburbano genuíno que ele era, mal-edu-

cado, bronco e analfabeto.

Mal tomou o café matinal, concertou ainda a gravata e pôs-se na

rua. Era cedo, mas temia pelo dinheiro que tinha na algibeira. Não queria

que ninguém soubesse da existência de avultada quantia em seu poder e,

muito menos, que premeditava fugir. Embarcou no primeiro trem; e, esguei-

rando-se pela Central, conseguiu não encontrar conhecido que lhe fizesse

perguntas indiscretas.

Cassi Jones, sem mais percalços, se viu lançado em pleno Campo

de Sant'Ana, no meio da multidão que jorrava das portas da Central, cheia

da honesta pressa de quem vai trabalhar. A sua sensação era que estava

numa cidade estranha. No subúrbio, tinha os seus ódios e os seus amores;

no subúrbio tinha os seus companheiros, e a sua fama de violeiro percorria

todo ele, e, em qualquer parte, era apontado; no subúrbio, enfim, ele tinha

personalidade, era bem Cassi Jones de Azevedo; mas, ali, sobretudo do

Campo de Sant'Ana para baixo, o que era ele? Não era nada. Onde acaba-

vam os trilhos da Central, acabava a sua fama e o seu valimento; a sua fan-

farronice evaporava-se, e representava-se a si mesmo como esmagado por

aqueles "caras" todos, que nem olhavam. Fosse no Riachuelo, fosse na

Piedade, fosse em Rio das Pedras, sempre encontrava um conhecido, pelo

menos, simplesmente de vista; mas, no meio da cidade, se topava com uma

cara já vista, num grupo da rua do Ouvidor ou da venida, era de um

suburbano que não lhe merecia nenhuma importância. Como é que ali,

naquelas ruas elegantes, tal tipo, tão mal vestido, era festejado, enquanto

ele, Cassi, passava despercebido? Atinava com a resposta, mas não queria

responder a si mesmo. Mal a formulava, apressava-se em pensar noutra coisa.

Na "cidade", como se diz, ele percebia toda a sua inferioridade de

inteligência, de educação; a sua rusticidade, diante daqueles rapazes a con-

versar sobre coisas de que ele não entendia e a trocar pilhérias; em face

da sofreguidão com que liam os placards dos jornais, tratando de assuntos

cuja importância ele não avaliava, Cassi vexava-se de não suportar a lei-

tura; comparando o desembaraço com que os fregueses pediam bebidas

variadas e esquisitas, lembrava-se que nem mesmo o nome delas sabia pro-

nunciar; olhando aquelas senhoras e moças que lhe pareciam rainhas e prin-

cesas, tal e qual o bárbaro que viu, no Senado de Roma, só reis, sentia-se

humilde; enfim, todo aquele conjunto de coisas finas, atitudes apuradas,

de hábitos de polidez e urbanidade, de franqueza no gastar, reduziam-lhe

a personalidade de medíocre suburbano, de vagabundo doméstico, a quase

coisa alguma.

Saltando na Central, não procurou bonde. Engolfou-se num filete

de multidão que se alastrava em direitura à Prefeitura e marchou a pé até

o "centro". Desde o largo do Rossio, foi parando diante das montras.

Demorava-se a ver jóias através de fortes vidros que as protegiam contra

a cobiça alheia. Mirava anéis e relógios, braceletes e brincos, mais àqueles

do que a estes, porquanto não lhe brotava no coração nenhuma necessi-

dade de dar presentes às amadas. Tão caros, não valia a pena!... Uma ben-

gala de junco, esquinada, com castão de ouro, tentou-o. Os quinhentos

mil-réis que tinha na algibeira murmuraram-lhe alguma coisa ao ouvido.

Prontamente repudia a tentação; precisava estar seguro...

Entrou pela rua Sete de Setembro e, daí em diante, foi admirando

as roupas feitas -- por toda a longa fachada do Parc Royal, foi parando

diante das vitrines, onde havia roupas e outras peças de vestuário, para

homens. Viu fraques, viu suspensórios, viu ligas, viu colarinhos, viu cami-

sas... Que coisas lindas!

Tomou a rua do Ouvidor e foi descendo, sempre parando em frente

das casas que tinham artigos para homens. Por desfastio, desviou-se a olhar

as vitrines de uma livraria. Olhou-lhe também o interior. Livros de alto a

baixo. Para que tantos livros? Aquilo tudo só seria para fazer doidos. Ele

tinha livros, na verdade; mas eram alguns, livros de amor... Que livros,

meu Deus! Teve vontade de tomar café; hesitou um pouco! Mas, afinal,

nimou-se. Estava quase na hora. A Caixa Econômica não tardaria em

abrir-se. Lá chegando, teve que aguardar a abertura da porta. Já havia

gente à espera. Olhou-a de relance. Fisionomias diferentes de trato e de

cor: velhas de mantilha, moças de peito deprimido, barbudos portugueses

de duros trabalhos, rostos de caixeiros, de condutores de bonde, de gar-

çons de hotel e de botequim, mãos queimadas de cozinheiras de todas as

cores, dedos engelhados de humildes lavadeiras -- todo um mundo de gente

pobre ia ali depositar as economias que tanto lhes devia ter custado a reali-

zar, ou retirá-las, para acorrer a qualquer drama das suas necessitadas

vidas. Aborreceu-se com aquele contato...

Penetrando no saguão, pôs-se a ler os cartazes onde estavam as dis-

posições legais que interessavam ao público. Diabo! A providência não

lhe servia... Para confirmar, dirigiu-se a um empregado num guichet, que

tinha ao alto este letreiro: "Informações". Não lhe servia absolutamente.

Para retirar mais de duzentos mil-réis, tinha que avisar previamente. Não;

não depositaria. O dinheiro devia estar sempre ao alcance da mão... Saiu

e, a fim de não ser visto por algum conhecido, procurou alcançar o largo

de São Francisco, atravessando aqueles velhos becos imundos que se origi-

nam da rua da Misericórdia e vão morrer na rua Dom Manuel e largo

do Moura. Penetrou naquela vetusta parte da cidade, hoje povoada de

lôbregas hospedarias, mas que já passou por sua época de relativo realce

e brilho. Os botequins e tascas estavam povoados do que há de mais sór-

dido na nossa população. Aqueles becos escuros, guarnecidos, de um e

outro lado, por altos sobrados, de cujas janelas pendiam peças de roupa

a enxugar, mal varridos, pouco transitados, formavam uma estranha

cidade a parte, onde se iam refugiar homens e mulheres que haviam caído

na mais baixa degradação e jaziam no último degrau da sociedade. Escon-

diam, na sombra daquelas betesgas coloniais, nas alcovas sem luz daque-

les sobrados, nos fundos caliginosos das sórdidas tavernas daquele tristo-

nho quarteirão, a sua miséria, o seu opróbrio, a sua infinita infelicidade

de deserdados de tudo deste mundo. Entre os homens, porém, ainda havia

alguns com ocupação definida; marítimos, carregadores, soldados; mas

as mulheres que ali se viam, haviam caído irremissivelmente na última

degradação. Sujas, cabelos por pentear, descalças, umas, de chinelos e

tamancos, outras. Todas metiam mais pena que desejo. Como em toda e

qualquer seção da nossa sociedade, aquele agrupamento de miseráveis era

bem um índice dela. Havia negras, brancas, mulatas, caboclas, todas nive-

ladas pelo mesmo relaxamento e pelo seu triste fado.

Cassi Jones ia atravessando aquele bairro singular e escuro, quando,

do fundo de uma tasca, lhe gritaram:

-- Olá! Olá! "Seu" Cassi! Ó "Seu" Cassi!

Insensivelmente, ele parou, para verificar quem o chamava. De den-

tro da taverna, com passo apressado, veio ao seu encontro uma negra suja,

carapinha desgrenhada, com um caco de pente atravessado no alto da

cabeça, calçando umas remendadas chinelas de tapete. Estava meio embria-

gada. Cassi espantou-se com aquele conhecimento; fazendo um ar de con-

trariedade, perguntou amuado:

-- Que é que você quer?

A negra, bamboleando, pôs as mãos nas cadeiras e fez com olhar

de desafio:

-- Então, você não me conhece mais, "seu canaia"? Então você não

"si" lembra da Inês, aquela crioulinha que sua mãe criou e você...

Lembrou-se, então, Cassi, de quem se tratava. Era a sua primeira

vítima, que sua mãe, sem nenhuma consideração, tinha expulsado de casa

em adiantado estado de gravidez. Reconhecendo-a e se lembrando disso,

Cassi quis fugir. A rapariga pegou-o pelo braço:

-- Não fuja, não, "seu" patife! Você tem que "ouvi" uma "pou-

ca" mas de "sustança".

A esse tempo, já os freqüentadores habituais do lugar tinham acor-

rido das tascas e hospedarias e formavam roda, em torno dos dois. Havia

homens e mulheres, que perguntavam:

-- O que há, Inês?

-- O que te fez esse moço?

Cassi estava atarantado no meio daquelas caras antipáticas de sujei-

tos afeitos a brigas e assassinatos. Quis falar:

-- Eu não conheço essa mulher. Juro...

-- "Muié", não! -- fez a tal Inês, gingando. -- Quando você "mi"

fazia "festa", "mi" beijava e "mi" abraçava, eu não era "muié", era

outra coisa, seu "cosa" ruim!

Um negro esguio, de olhar afoito, com um ar decidido de capoeira,

interveio:

-- Mas, Inês, quem é afinal esse moço?

-- É o "home qui mi" fez mal; que "mi" desonrou, "mi pois" nesta

"disgraça".

-- Eu! -- exclamou Cassi.

-- Sim! Você "memo", "seu" caradura! "Mi alembro" bem... Foi

até no quarto de sua mãe... Estava arrumando a casa.

Uma outra mulher, mas esta branca, com uns lindos cabelos casta-

n’os, em que se viam lêndeas, comentou:

-- É sempre assim. Esses "nhonhôs gostosos" desgraçam a gente,

deixam a gente com o filho e vão-se. A mulher que se fomente... Malvados!

Cassi ouvia tudo isso sem saber que alvitre tornar. Estava amarelo e

olhava, por baixo das pálpebras, todas as faces daquele ajuntamento. Espe-

rava a policia, um socorro qualquer. A preta continuava:

-- Você sabe onde "tá" teu "fio"? "Tá" na detenção, fique você

sabendo, "Si" meteu com ladrão, é "pivete" e foi "pra chac'ra". Eis aí

que você fez, "seu marvado", "home mardiçoado". Pior do que você só

aquela galinha-d'angola de "tua" mãe, "seu" sem-vergonha!

Cassi fez um movimento de repulsa e que a rapariga não perdeu.

-- "Oie" -- disse ela, para os circunstantes -- ; ele diz que não é o

tal. Agora "memo se acusou-se", quando chamei a ratazana da mãe dele

de galinha-d'angola... É uma "marvada", essa mãe dele -- uma "véia"

cheia de "imposão" de inglês. Inglês, que inglês....

Soltou uma inconveniência, acompanhada de um gesto despudorado,

provocando uma gargalhada gerai. Cassi continuava mudo, transido de

medo; e a pobre desclassificada emendava:

-- "Tu" é "mao" mas tua mãe é pior. Quando ela descobriu "qui"

eu "tava" com "fio" na barriga, "mi pois" pela porta afora, sem pena,

sem dó "di" eu não "tê pronde í". E o "fio" era neto dela e ela "mi"

tinha criado... Vim da roça... Ah! Meu Deus! Se não fosse uma amiga,

tinha posto o "fio" fora, na rua, que era serviço... Deus perdoe a "tua"

mãe o que "mi" fez "í" a meu "fio", "fio" deste "qui taí", também,

Deus lhe perdoe!

E a pobre negra abaixou-se para apanhar a barra da saia enlameada,

a fim de enxugar as lágrimas com que chorava o seu triste destino, talvez

mais que o dela, o do seu miserável filho, que, antes dos dez anos, já tra-

vara conhecimento com a Casa de Detenção...

Graças à intervenção do dono da tasca, que tinha com o guarda de

ronda o compromisso de manter a ordem no "reduto", o ajuntamento se

desfez, e Cassi pôde continuar seu caminho, Por despedida, porém, ainda

levou uma surriada das mulheres, que o descompunham em baixo calão,

enquanto Inês imprecava:

-- "Marvado"! Desgraçado! Caradura! Hás de "mi pagá", "seu

canaia"!

Logo que se viu livre do perigo, Cassi respirou, compôs a fisiono-

mia, apalpou o dinheiro na algibeira e fez de si para si:

-- Acontece cada uma! Para que havia de dar esta negra... Feliz-

mente, foi em lugar que ninguém me conhece; se fosse em outro qualquer

-- que escândalo! Os jornais noticiariam e... Não passo mais por ali e ela

que fosse para o diabo! ... Fico com o dinheiro em casa.

Nenhum pensamento lhe atravessou a cabeça, considerando que um

seu filho, o primeiro, já conhecia a detenção...

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