O objetivo deste artigo é identificar uma estrutura fundamental, resultante da ontologia da vida orgânica esboçada por Heidegger nos Conceitos Fundamentais da Metafísica, que pode ser designada como “o mistério na vida”. Na primeira parte do texto destaco alguns elementos gerais da hermenêutica da vida. Na segunda, reconstruo a interpretação ontológica dos organismos animais que conduz ao conceito de aptidão, cuja determinação ontológica é que faz necessária a introdução de uma classe especial de possibilidade: o ser-possível como ser-apto. Na terceira parte, apresento a caracterização heideggeriana das aptidões como envolvimentos em comportamentos estruturados pela perturbação cativada (Benommenheit), ressaltando como a perturbação impede que aos comportamentos possa ser atribuída a estrutura do algo enquanto algo, implicando que os organismos estão abertos a algo que não se lhes apresenta como aberto. Considerando a relacionalidade intrínseca aos organismos, essa limitação implica a impossibilidade de determinar completamente a essência da vida. Portanto, argumento na última parte, a ontologia da vida elaborada por Heidegger não apenas exige um tipo especial de possibilidade para conceitualizar o ser apto orgânico, mas também resulta no reconhecimento de um mistério na vida.